Um a cada cinco deputados federais recebeu nas eleições de 2014 doações de empresas ou pessoas que eles contrataram –e às quais pagaram com dinheiro público.
O número é resultado do cruzamento dos dados sobre gastos de deputados com a cota parlamentar, registrados pela Câmara, e doações recebidas por candidatos, computados pelo Tribunal Superior Eleitoral.
No total, mais de R$ 3,5 milhões de empresas que receberam verbas públicas de deputados foram doados a eles, mostra o levantamento, feito pelo cientista de dados Leonardo Sales, 36. Sales, administrador com mestrado em economia, analisou 68.978 registros de doações e 793.463 de despesas das cotas parlamentares –recursos de cerca de R$ 40 mil mensais que cada deputado pode usar para gastos “exclusivamente vinculados ao exercício da atividade parlamentar”, segundo a Câmara.
Em ao menos 134 casos, o fornecedor (empresa ou pessoa física) doou diretamente ao deputado que o contratou. Nesses ciclos em que o dinheiro troca de mãos diretamente, foram gastos R$ 7,45 milhões em verbas da cota parlamentar entre 2013 e 2017 com empresas que doaram de volta R$ 3,3 milhões.
No total, R$ 3,5 milhões foram doados por empresas que receberam dinheiro público dos candidatos em compras com a cota parlamentar. Os ciclos de gasto e doação abrangem 108 dos 513 ocupantes da Câmara.
RELAÇÕES VICIADAS
Embora não haja impedimento às operações (em 2014, pessoas jurídicas ainda podiam financiar eleições), a prática pode indicar vícios da relação público-privada no Brasil, afirma Bruno Carazza, doutor em direito e autor do blog “O E$pírito das Leis”.
Para ele, a própria existência da cota parlamentar “é algo, por si só, difícil de ser justificada”: “Por que um parlamentar tem direito a R$ 40 mil por mês para gastar com jornais, aluguel, transporte, gasolina? Além das questões éticas, isso desequilibra o jogo eleitoral em favor de quem busca a reeleição, o que é antidemocrático”.