Por Abdon Marinho
Apenas ontem vi uma manifestação que fizeram contra a visita papal ao Brasil, quer dizer, uma das manifestações. Aqui não se está a questionar em absoluto o direito de livre manifestação do pensamento ou das mais diversas formas de expressão.
A manifestação que falo, foi uma que me chamou a atenção pelo elevado grau de ataques aos seus contrários, com destruição de símbolos, ofensas a outros e pelo fato de alguns manifestantes estarem encapuzados, como se, implicitamente, estivessem a se envergonhar de sua conduta ou de suas ações. A conduta, de fato, causa vergonha.
Sou defensor ardoroso das liberdades individuais, do direito que deve ter todo e qualquer cidadão de manifestar seu descontentamento, sua irresignação. Defendo ainda a liberdade que cada um tem de ter, sem qualquer censura, sua fé e a sua ausência de fé. Mas acredito, sobretudo que para manter essas liberdades, esses direitos inalienáveis dos seres humanos, devemos fazer com o respeito aqueles que discordam de nós. O direito a discordância deveria ser um dos primeiros direitos dos seres humanos. Eu tenho o direito de discordar do que você acha e devo ver respeitado esse meu direito. Como posso aceitar que o meu direito de protesto seja superior ao direito que tem meu vizinho ter a sua fé, seus rituais e crenças? Que tipo de sociedade pretendo construir se me acho no direito de destruir as coisas as quais os meus vizinhos tem respeito e são depositários de sua fé? Não me parece correto.
A fé, a religiosidade, as crenças das pessoas, é sentimento íntimo, diz respeito unicamente a ela, a sua individualidade como ser humano. Ninguém tem o direito de se achar superior por qualquer razão e fazer pouco caso deste sentimento humano. Ao meu sentir, o respeito que merecemos é o que manifestamos ao respeitar o próximo, ainda mais quando se trata do respeito a algo tão íntimo que é a fé do outro. Eu tenho o direito de ter a minha fé, de não ter fé nenhuma, mas o meu amigo, vizinho, estranho também tem o direito de ter a dele e a ser respeitado por isso. Negar ou desrespeitar esse direito do cidadão, do ser humano, significa negar a própria civilidade. Como posso acreditar que a democracia signifique a penas o direito de protesto e não o direito de respeito aos sentimentos alheios? Não faz sentido para mim.
Lutamos para construir um país democrático, com respeito as liberdades individuais, as crenças religiosas, a manifestação de pensamento, etc. Entretanto, os usuários desta democracia que lhes permite tudo isso, não tem o mesmo respeito por ela e se algum dia tivesse o poder, decerto que a primeira coisa que faria seria destruir a democracia que lhe permite se manifestar livremente.
Sempre me causa estranheza quando vejo alguém posando de democrático, moderno, protestando contra isso ou aquilo, mas se mostrando intolerante e desrespeitador em relação aos que discordam dele. Beleza, a democracia é ótima desde que o pensamento norteador seja o meu. Vamos combinar, esse é modelo bem exótico. Democracia de pensamento único, que não despeita a divergência qualquer que seja? Não parece ser razoável.
Democracia que verdadeiramente mereça assim se dizer pressupõe a convivência e o respeito mútuo, a liberdade de todos para exercer seus credos, suas crenças e o respeito dos demais a esses sentimentos.
A manifestação que vi depõe contra a própria causa que defendia, pois ao mesmo tempo em que era exercido livremente, ofendia o direito das pessoas terem sua fé, terem e adorarem livremente os símbolos da mesma. Se tenho o direito de defender meus pontos de de vistas, meus oponentes também tem o direito de verem respeitados os seus pontos de vistas e seus sentimentos. Negar esse direito é negar a própria civilidade.
Abdon Marinho é advogado eleitoral.