Por Abdon Marinho
Como já era esperado (porque sempre se pode esperar o pior dos nossos representantes), ontem a Câmara dos Deputados decidiu que um deputado condenado em última instância, com sentença transitado em julgado, poderá continuar ser deputado, deverá ser chamado de excelência e poderá até receber seus vencimentos. Você ver esse tipo de coisa e não consegue acreditar que esse tipo de insanidade esteja de fato acontecendo. Pois está, sua excelência, deputado condenado a 13 anos de prisão pelo STF, inclusive já pediu (antes de ser inocentado pelos seus pares), o pagamento dos salários. Tem todo o direito de receber, se decidiram que pode continuar deputado, porque não pagar os salários enquanto o indigitado cumpre pena no presídio em que se encontra? Tem todo o direito de receber e de apresentar emendas ao orçamento da nação, inclusive uma emenda para melhorar o abastecimento de água do presídio da Papuda.
O acinte a dignidade das pessoas de bem deste país, o insulto as pessoas com vergonha na cara, entretanto, não deve ser atribuído apenas à Câmara dos Deputados, o que aconteceu nesta quarta é fruto daquela decisão de outro dia em que o STF, ignorando a Constituição da República disse que quem decide pela perda do mandato é o Parlamento, sem dizer, sem deixar de forma cristalina, que essa decisão teria caráter meramente declaratória, pois a própria Constituição já diz que há a perda do mandato no caso em que se encontra o deputado, vejamos:
“Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
I – que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;
II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;
III – que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;
IV – que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
V – quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;
VI – que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.”
Sempre foi assim, não havia muito o discutir. O direito é o que o cidadão médio consegue entender como sendo natural, lógico. As inovações cheias de salamaleques, de senões e “entretantos”, caminham no sentido de desacreditar as instituições, o bom-senso.
Aquela decisão, tomada, acho que a menos de um mês, permitiu a estultice que assistimos e que vivenciaremos daqui para frente, abriu a porteira para que os deputados entendessem que não tem nada demais alguém está cumprindo pena e ostentando o título de representante do povo. Com isso, o Brasil, mais uma vez, mostra ao mundo que não é um país sério. Não assisti a sessão, decerto comemoraram, com direito a dancinha e tudo, o fato de pregarem mais um prego no caixão da decência. Nem os ditadores mais empedernidos ousaram tanto quando ousou o nosso Parlamento.
Diante de fatos como estes, que não é único, no corolário de vergonhas a que somos submetidos diariamente, fico com a impressão de o Brasil está regredindo, andando para trás. Até então quem ousaria imaginar assistir ao que estamos assistindo no momento? Ao deputado condenado foi permitido ir a câmara, fazer pessoalmente sua defesa, tratam isso com tamanha naturalidade que deu no que deu.
Na terça-feira falei da idiotice de se criar um novo tipo penal para os crimes contra as mulheres o tal do “feminicídio”, como se o fato de mudar o tipo fosse reduzir ou representar qualquer coisa em relação a violência. Fizeram uma festa no Congresso Nacional, todo mundo achando a imbecilidade a coisa mais avançada do mundo. Ontem o mesmo plenário serviu de cenário (desta vez só com os deputados), para mostrar ao Brasil e ao mundo as razões da violência. Uma das razões, senão a maior delas, é essa comprovação de impunidade, esse desrespeito ao povo. Se o indivíduo ver um condenado a treze anos de prisão receber salário e ostentar um mandato de deputado federal e os nossos representantes entender que isso é normal, está direito, é correto, ele pode praticar todo tipo de violência, pois tudo está permitido. Matar a esposa, a mãe, a avó e quem mais deseje.
O que estamos assistindo não acontece do nada, não surgiu do ar ou do vento. É trabalho que vem fazendo um grupo para provar que quanto pior melhor, que ninguém é honesto, que todos são bandidos e assim se perpetuarem no poder, de preferência com eleições financiadas com recursos públicos e votação em lista fechada.
Não teremos como examinar os votos, quem são os deputados que votaram pela avalhação do Brasil. Mas nesta absolvição, como em tudo que ocorre desde o início do julgamento da AP 470, há as digitais dos mensaleiros. A votação de ontem foi apenas o começo do que pretendem fazer com os outros ilustres condenados. Ontem tivemos a prova de que não foi em vão o esforço que fizeram para convencer o STF da sua tese, que até aqui, contra os interesses do Brasil, está dando
certo.
Ainda no ano passado alertava para esse tipo de coisa, é só olhar os post’s do período. Infelizmente, ontem, comprovou-se que tínhamos razão. A missa encomendada pelos mensaleiros, começa a surtir seus efeitos na destruição das instituições brasileiras. Os pensadores, as entidades da sociedades também são culpadas pelo disparates que testemunhamos, pela vergonha e o escárnio mundial a que seremos submetidos. Todos os defenderam a tese da bandalha e os que se omitiram, são partícipes do despautério.
Tenho esperança, que diante da reação da sociedade, se é que vai existir alguma, tentem corrigir a lambança de ontem, talvez nem liguem. O povo que se lixe, já disse um. Na quarta-feira, quem disse isso foi maioria dos deputados que absolveu, sua excelência, o condenado.
Abdon Marinho é advogado eleitoral.