Por Abdon Marinho
O Brasil não ganhou a Copa do Mundo. Não foi desta vez que levantamos o ‘caneco’ do hexacampeonato. ‘Hexa” não foi nossa.
A derrota acachapaste para Alemanha materializada em sete gols fez o Brasil – ao menos no futebol – acordar para a dura realidade de que não vínhamos jogando bem, que as vitórias conseguidas – em que pese o talento de grande parte do elenco –, era um sofrido fruto do acaso, da sorte. As vitórias sobre Chile e Colombia, assim com vieram para nós poderiam ter ido perfeitamente para as seleções oponentes. As exibições dos times eram semelhantes, as seleções estavam no mesmo nível. Não estou dizendo que jogaram mal, estou dizendo que estavam num mesmo de nível de organização. A nossa equipe técnica, após a derrota histórica, já disse mais de uma vez que o trabalho que fizeram com os atletas foi ‘perfeito’, palavras de Scolari e Parreira. Mas me digam uma coisa, como uma seleção que recebeu um treinamento perfeito leva uma ‘sova’ de sete a zero? A maior derrota em cem anos de existência? Nada justifica.
O jogador Neymar Júnior, em coletiva, falando do jogo que não jogou, disse que não havia explicação. O Brasil poderia ter perdido, faz parte de qualquer disputa ganhar ou perder, não poderia era ter perdido como perdeu, com humilhação, com vexame. E não vamos esconder ou fingir que não ouvimos o que disse um dos atletas da Alemanha, de que combinaram no intervalo do jogo não ‘humilhar o Brasil’.
Poucos se dão conta da gravidade destas palavras. Estamos ignorando essa fala como se não tivesse conteúdo algum, continuamos a minimizar as coisas. Qualquer um que conseguiu assistir o jogo, – digo isso porque eu, por exemplo, nos dez minutos do segundo tempo comecei foi rezar para que acabasse logo –, percebeu que a seleção alemã deu uma ‘maneirada’. Se não tivessem constrangidos ou preocupados em não nos humilhar a derrota poderia ser bem maior.
A festa acabou, como diria o poeta, os convidados estão se preparando para deixar o recinto,
aos donos da casa resta recolher os copos e os pratos sujos, limpar o salão. Mas isso não basta, precisamos tirar do episódio as lições, principalmente as mais duras, não apenas em relação ao esporte, principalmente em relação a vida do país, a vida que levamos.
O Brasil vai construindo o hábito de não levar a sério as coisas, a viver de oba-oba, de festa em festa. O jeitinho, a corrupção e a malandragem se impondo sobre o trabalho consistente, a honestidade e a competência. As coisas vão mal e as autoridades, os governantes vão minimizando os acontecimentos, tentando jeitinhos, desviando dos problemas, que são reais, na malandragem. As contas não fecham? Coloca os pagamentos deste ano para o balanço do ano seguinte. A inflação está batendo na porta? Segura os aumentos estavam previstos para esse ano, joga para próximo, vamos subsidiando com as reservas da nação até depois das eleições. Assim vão levando, na malandragem, na falta de compromisso. Quem ousa mostrar isso, são mal vistos.
Mas não se vence o jogo assim. Vimos no resultado contra a Alemanha. Ali houve a vitória do trabalho consistente, sério, profissional, contra o voluntarismo, contra o oba-oba, contra a malandragem. Até pessoas que não têm o hábito de assistirem futebol – ouvi mais uma –, constataram que mais parecia adultos profissionais jogando contra crianças amadoras. As crianças queriam vencer? Claro que sim. Mas isso não basta, teriam que ser treinadas, preparadas e possuírem um esquema tático para jogarem de igual para igual. A vida real é assim. Os técnicos dizem, foram perfeitos, não ficaram devendo nada. Então a situação é bem mais grave e que muitos dissabores ainda sofreremos. Não reconhecer o erro, ignorar o problema é um dos atalhos para o fracasso.
A mesma situação passa o país. Falta consistência nas políticas públicas, sobra improvisos, corrupção, malandragem, oba-oba. As obras estruturais andam a passos de tartarugas. O Brasil gastou bilhões de reais na construção de estádios, no mesmo período, a obra de transposição do Rio São Francisco que ajudaria a minorar os efeitos da seca e propiciar algum desenvolvimento ao sertão nordestino, não avançou nada. O mesmo acontece com diversas outras obras. O país perde bilhões de reais todos os anos por não conseguir escoar a safra, uma das alternativas seria as hidrovias, o governo não só não investe no setor, como não faz nada para recuperar as dezenas rios brasileiros que agonizam.
No outro setor estratégico para escoar a produção do país, as rodovias, o governo achou de bom tom, entregar a um partido cuja principais lideranças estão presas condenadas por corrupção. Pior recebendo ordens do político que se hospeda na penitenciária da Papuda. Um outro setor o energético padece dos mesmos problemas. Até a Petrobras, empresa símbolo do país, resolveram enredá-la em toda sorte de corrupção, como estamos cansados de saber. Sem contar o uso político e eleitoral, dos quais o exemplo mais emblemático é a Refinaria do Maranhão. Aqui chegaram, presidente da República e seus candidatos a sua sucessão e ao governo local, prometendo um grande desenvolvimento, que não tardariam a construir uma das maiores refinarias, tão especial que recebeu o nome de “premiun”. Tudo não passava de estelionato eleitoral, a refinaria que já consumiu quase dois bilhões de reais, que estaria funcionando em 2015, depois passou para 2017, 2019, agora dizem que funcionará me 2035. Vê-se a falta de seriedade, de planejamento ou é isso, ou não passa de mais uma artimanha para enganar os trouxas. Exemplos como esse são inúmeros.
O país vai se acomodando, vivendo de ilusões. Antes da Copa do Mundo todos sabíamos que o governo brasileiro havia feito justamente o oposto do que prometera. Gasto dinheiro público onde não deveria e não realizado o tal do legado da Copa. Os poucos críticos disso eram chamados de pessimistas, ideólogos do medo. Quando a bola rolou em campo as críticas cessaram, quando o Brasil começou a jogar e a vencer, esses críticos passaram a ser tratados pelos que tinham no evento mais uma arma eleitoral, como inimigos da pátria. A grande imprensa que o governo e seus aliados tanto critica é a maior aliada deste modelo de administração de pão e circo. No mês da copa, quem via os noticiários imaginava está num mundo de sonhos. Na Pasárgada da qual bem nos falou Bandeira, todos amigos do rei, sem violência, sem inflação, até as prostitutas bonitas e os alcalóides tinham à vontade.
Essa mesma ilusão tão pressente nestes dias de festa, é mesma que, ainda com menor intensidade, vemos todos os dias. O país afunda, mais os feriados, pontos facultativos, estão aí quase todos os dias para fazer o povo esquecer dos problemas, as grandes cervejarias pagam fábulas para anunciar seus produtos como símbolo de estilo de vida, nas quartas já começam os finais de semana, com o futebol comemorado até as madrugada, na quinta, ainda com a ressaca, já se festeja que estamos chegando a sexta onde só se trabalha meio dia, já se emendando com o final de semana, até a madrugada do dia mais odiado, a segunda.
O brasileiro vive nesta anestesia permanente custeada pela pequena parcela da população que trabalha. Já pagamos quase 800 bilhões em impostos de janeiro para cá, grande parte destes recursos para manter uma máquina pública que não funciona. Uma saúde pública e uma educação que nada mais são que piadas aos olhos do mundo, que não educa e mata as pessoas nas portas dos hospitais, de norte a sul do país.
A Copa acaba, perdemos feio, precisamos acordar para a realidade: Se dentro de campo os números são humilhantes, fora dele a realidade é ainda mais dramática.
Abdon Marinho é advogado eleitoral