Por Abdon Marinho
Não são poucas as vezes, que premidos pelos acontecimentos que mostram toda a falta de limites para a barbárie humana, que descremos da própria humanidade, do sentido da vida. São guerras, a violência gratuita de todos os dias, pessoas promovendo execuções à luz do dia e à vista de todos, grupos colocando seviciando pessoas, estupros, drogas, filhos que matam pais, pais que matam filhos e por aí vai.
Olhamos para esse cenário e nos perguntamos: É possível piorar? Cada dia que passa descobrimos que sim, infelizmente. A banalização do mal parece desconhecer limites. Tudo que se imaginar que pode acontecer, já aconteceu ou acontecerá, as vezes de forma piorada.
Aí, em meio a tanto desalento temos uma boa notícia. Uma informação de que nem tudo está perdido, que ainda há esperança para a raça humana, uma nesga de luz nesta noite sem fim.
A grande mídia não dá grande destaque às coisas boas. Mas digo, poucas vezes uma notícia causou-me tanto contentamento nos últimos anos quanto a que nos deu conta de numa terra distante, num outro país, um médico enfrentou a pé, quase 10 km de nevasca para ir fazer uma cirurgia de emergência e salvar uma vida. O médico Zenko Hrynkiw afirmou: “Ele tinha 90% de chance de morrer. Se não fosse operado, certamente estaria morto e isso não podia acontecer no meu turno”. Como é bom saber que ainda existem pessoas com esse senso de responsabilidade, de amor ao próximo, de dedicação profissional. Um gesto apenas, uma prova de que a humanidade ainda tem salvação.
O Dr. Zenko deixou que o seu senso de dever, não apenas como médico, mas como humano, falasse mais alto e é isso que faz toda a diferença. Quantas notícias não temos visto nos últimos tempos em que os profissionais deixam de fazer seu dever? Apenas para ficar no tema, quantos médicos não cumprem os seus plantões? Quantos não se tornaram insensíveis a dor do paciente enquanto passam pelos corredores entulhados de enfermos? Quantas vezes não ouvimos histórias de mal atendimentos, desleixo, falta de zelo profissional? Quantas vezes não tivemos notícias de que o paciente inquinado de dores deixou de ser atendido porque o médico alegara que seu expediente findara? Quantos não foram os que nem compareceram?
Quando assisti a reportagem não contive minha emoção. Alguém capaz de saber a razão de seu ministério. Alguém que não estava ganhando um centavo a mais para enfrentar a tempestade e salvar seu paciente. Alguém com a missão de não deixar o paciente morrer no seu horário de trabalho.
Estava ali a prova de que, apesar de tudo que vem nos acontecendo, a humanidade pode ser capaz de gestos extraordinários como o gesto deste médico ou como o gesto de tantos milhares de outros médicos, de cientistas que passam seus dias a estudar, a investigar medicamentos para diminuir os males de homens e dos animais ou ainda os que fazem da vida a luta incessante pela natureza e pelo desenvolvimento sustentável.
São grandes avanços que a humanidade tem experimentado.
Entretanto e apesar de todos eles, temos que nos defrontar com tanta injustiça, tanta corrupção e tanta maldade. A ponto de, entorpecidos pela banalização do mal, acharmos que as coisas são assim mesmo. Que nada tem demais na sociedade, incapaz de quebrar sua rotina, quando uma pessoa executa outra à vista de todos ou ainda quando quase lincham um outro, ainda adolescente, em pleno centro de uma metrópole mundial; quando vemos a sociedade se manifestando em favor dos justiciamentos pelos cidadãos ao invés de exigir que a aplicação da lei seja o encargo do Estado a quem pagamos para isso; quando vemos as apologias à prática da justiça com as próprias mãos.
Os doutores Zenko da vida aparecem para nos lembrar que o normal e a batalha para salvar vidas; enfrentar tempestades de neve para salvar o paciente anônimo que precisa de socorro e não omitir-se de fazer seu trabalho; de sempre usar um arsenal de desculpas ao invés de fazer o que o próximo necessita; matar e fazer apologias a violência e as matanças indistintas.
Não tenho dúvidas que a humanidade seria bem melhor com pessoas assim, como este doutro do que com aquelas que acham que fazem muito quando saem por aí fazendo justiça com as próprias mãos ou fazendo apologias de quem faz isso.
A banalização do mal que vem ocorrendo no Brasil e no mundo é uma lástima, mas apesar disso ainda há esperança para a humanidade. Vamos acreditar e batalhar por isso.
Abdon Marinho é advogado.