Do Estadão de São Paulo
A polícia espanhola prendeu nas primeiras horas da manhã desta terça-feira o ex-presidente do Barcelona e parceiro de Ricardo Teixeira, Sandro Rossell, e deixa claro que mira no brasileiro e seus negócios com a seleção. Os policiais fazem buscas e apreensões em endereços em Barcelona, Andorra e outras duas cidades da região. O centro da investigação é o contrato que Rosell manteve com a CBF, revelado com exclusividade pelo Estado em 2013, além de negócios envolvendo a Nike e lavagem de dinheiro.
A imprensa espanhola também indica que buscas também podem ocorrer no Brasil e relacionadas com Teixeira. A suspeita é de que os dois suspeitos tenham lucrado US$ 15 milhões com a venda de direitos de TV para os jogos do Brasil. Os investigadores consideram que a “organização criminosa” desviava dinheiro de amistosos do Brasil e os lavava em paraísos fiscais.
Apelidada de “Operação Jules Rimet”, a iniciativa das forças de ordem ocorre depois de investigações de lavagem de dinheiro por parte do ex-cartola. Rosell estava sendo investigado nos EUA por seu envolvimento com contratos da Nike e a CBF. O FBI investiga o desvio de milhões para contas secretas de Ricardo Teixeira, presidente da entidade brasileira naquele momento
A suspeita é de que a Nike tenha pago uma propina de US$ 40 milhões em uma conta na Suíça para fechar um contrato com a CBF para patrocinar a seleção brasileira. Segundo o levantamento, o acordo avaliado em US$ 140 milhões rendeu em pagamentos paralelos e depositados no paraíso fiscal alpino. Do total da propina, uma parcela foi para Teixeira e outra para J. Hawilla, que teria intermediado o contrato.
A operação, segundo a imprensa espanhola, está sendo conduzida depois de investigações por parte da Unidade de Delinquência Econômica e Fiscal da Polícia Nacional. Mas a operação também ocorre em colaboração com o FBI, nos EUA, que já indiciou Teixeira.
De acordo com as primeiras informações, foram as investigações nos EUA que deram os primeiros indícios de movimentações de contas na Espanha. Tais dados abriram caminho para a descoberta de uma rede desenhada por Rosell para ocultar dinheiro.
A Justiça já bloqueou cerca de 10 milhões de euros em contas, além de cerca de 50 imóveis, avaliados em mais de 25 milhões de euros.
AMISTOSOS
Mas a investigação também confirma informações reveladas com exclusividade pelo Estado, em 2013, sobre como Rosell mantinha contratos de fachada com a CBF e que parte da renda os amistosos jamais chegava ao Brasil. Eles eram transferidos para empresas com sede nos Estados Unidos, registrada em nome de Sandro Rosell. A prática, segundo documentos consultados e fontes escutadas com exclusividade pelo Estado, teria marcado a gestão de Teixeira na CBF a partir de 2006.
Nos últimos anos, a realização de amistosos tem sido a principal fonte de entrada de recursos de federações de futebol. No caso do Brasil, o fato de ter sido campeão em 2002, vice em 1998 e único time pentacampeão do mundo permitiu que a CBF e seus agentes aumentassem o valor do cachê para atuar pelo mundo. Do Gabão à Hong Kong, passando pela Estônia ou Zimbábue, a seleção percorreu o mundo cobrando pelo menos US$ 1 milhão para cada vez que entrava em campo. O detentor do direito de organizar os jogos era, desde 2006, a ISE, empresa com sede nas Ilhas Cayman.
Mas, segundo pessoas envolvidas com o pagamento desses cachês, nem todo o dinheiro que saia das federações estrangeiras, direitos de imagem ou governos de outros países eram enviados ao Brasil. O destino eram contas nos EUA.
Um pré-contrato obtido pelo Estado mostra que a ISE fechou um entendimento para negociar 24 jogos amistosos com a empresa Uptrend Development LLC, com sede em Nova Jersey, nos EUA. Em nome da empresa nos Estados Unidos, a assinatura é de Alexandre R. Feliu, o nome oficial de Sandro Rosell Feliu.
O endereço onde a empresa americana estava registrado era composto, na realidade, apenas salas que empresários poderiam alugar para realizar encontros e manter uma caixa postal.
O esquema funcionava da seguinte forma: a partir de cada jogo, eram repassados para a ISE como lucros da partida cerca de US$ 1,6 milhão. Desse total, US$ 1,1 milhão seguiam de volta para a CBF como pagamento pelo cachê. Mas o restante – cerca de US$ 500 mil – não era contabilizado para a entidade. Pelo contrato obtido pelo Estado, US$ 450 mil seriam encaminhados para contas nos EUA, em uma empresa de propriedade de Rosell.
No total, o contrato aponta que, por 24 jogos, o valor previsto para o pagamento seria de 8,3 milhões de euros para a empresa nos EUA. Dividido por 24 jogos, esse valor seria de US$ 450 mil.
PERCURSO
A transformação dos jogos da seleção em uma máquina de fazer dinheiro começou na Argentina, com o presidente da Associação de Futebol da Argentina, Julio Grondona, adotando o modelo. A CBF obteve uma cópia dos acordos que a seleção argentina fechou e tentou adotar o mesmo esquema para o Brasil.
Ao lado de Rosell, a CBF saiu em buscam de parceiros que pudessem fechar um acordo mais amplo para promover os jogos da seleção pelo mundo. Rosell e Teixeira mantiveram por anos uma amizade e mesmo entraram em acordos comerciais, principalmente quando o catalão era o representante da Nike no Brasil.
Os direitos sobre os jogos da seleção acabariam sendo adquiridos por um grupo de investidores árabes da ISE, a empresa com base nas Ilhas Cayman, um paraíso fiscal. Logo depois, um acordo entre a ISE e Kentaro acabou permitindo que a empresa suíça realizasse a operação dos amistosos.
O presidente do Barça chegou a ser investigado no Brasil por conta de um amistoso entre Brasil x Portugal em Brasília.
A reportagem também revelou com exclusividade o envolvimento de Rosell na tentativa de Teixeira em obter residência em Andorra. O dirigente ainda está sendo investigado por conta do contrato de Neymar, no Barcelona.
LARANJA
Um dos homens presos hoje foi ainda Shahe Ohannessian. Oficialmente, ele é o dono da empresa que foi fundada por Rosell, a Bonus Sports Marketing SL. Mas investigadores descobriram que ele seria apenas um laranja do próprio ex-cartola.
Em 2014, o Estado revelou como a renda de dois amistosos da seleção brasileira foi usada para comprar essa empresa de Sandro Rosell em 2011. Documentos e fontes ligadas às operações dos jogos do Brasil revelaram com exclusividade ao Estado que a renda de jogos como Brasil x Gabão e Brasil x Egito foi transferida diretamente para o dirigente.
Em 2011, 3 milhões de euros foram gerados em dois jogos da seleção. No dia 11 de novembro de 2011, o técnico Mano Menezes levou para Libreville um time com jogadores que seriam testados, entre eles Jonas, Bruno Cesar e Elias. No dia 14 de novembro, o Brasil seguiria para jogar contra o Egito. O local da partida seria o Catar, justamente o país que mantêm acordos milionários com Rosell.
Documentos apontam que esses recursos foram instruídos a ser depositado não na conta da CBF, mas no pagamento da Bonus Sport Marketing, empresa que na época era de Rosell. A companhia tinha como meta enviar olheiros para a África e América Latina para buscar jovens craques que, por sua vez, seriam oferecidos para a academia Aspire, no Catar. Um dos patrocinadores do projeto da Bonus era a Nike, empresa que teve Rosell como seu representante no Brasil.
Para se desfazer da empresa e poder assumir o Barcelona, a forma encontrada por Rosell foi a de vender justamente para a Dahall Al Baraka Group, a empresa que mantinha por meio de sua subsidiária ISE os direitos da seleção. Fontes envolvidas no processo confirmaram ao Estado que foram surpreendidas ao receberem a orientação de que o dinheiro deveria ir para a Espanha, sem qualquer intermediário.
Oficialmente, Rosell anunciou que havia feito a venda no dia 23 de julho de 2010. Mas, naquele momento, o único que havia era um contrato de compromisso de compra. A transferência da empresa ocorreria apenas em 2011 e o pagamento seria recebido no final do ano, graças aos jogos da seleção.