Do jornal O Globo
No dia 17 de maio, quando a República balançou com a divulgação de gravações do empresário Joesley Batista e o presidente Michel Temer quase caiu, um endereço de Brasília disputou com o Palácio do Jaburu a romaria de autoridades, ministros e políticos candidatos a um eventual mandato-tampão. Eles buscavam conselhos e apoio para o day after na mansão do ex-presidente e ex-senador José Sarney, estrategicamente localizada na península dos ministros, ao lado das residências oficiais da Câmara e do Senado.
Pai do ministro do Meio Ambiente, Zequinha Sarney, com 56 anos de vida pública encerrados em 2015, o político maranhense transitou pelo regime militar e por todos os governos como uma espécie de oráculo. Hoje, mesmo sem mandato, mantém, aos 87 anos, força comparável a quando era o todo-poderoso do Senado: dá pitaco nas grandes questões nacionais e veta ou apoia indicação de ministros ou ocupantes de outros cargos estratégicos, como ministros de tribunais superiores e até o comando da Polícia Federal.
Para boa parte dos cotados a cargos em ministérios, diretorias de agências reguladoras, tribunais superiores, de contas, um dos primeiros caminhos é bater à porta de Sarney.
O caso recente e rumoroso foi o veto à indicação do deputado maranhense Pedro Fernandes (PTB) para o Ministério do Trabalho, por ele ser ligado ao grupo do governador Flávio Dino (PCdoB), maior adversário do clã Sarney hoje. Outra demonstração de poder foi o apoio à nomeação do atual diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segovia. Segundo aliados, o ex-presidente não entra em questões que considera irrelevantes.
Como aposentado, Sarney tem três prioridades em sua agenda nada tranquila: a política, a literatura e os cuidados com a saúde da mulher, dona Marli. Pela manhã ou à noite, na mansão, Sarney recebe autoridades, como os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), ministros do governo e chefes de outros poderes. À tarde, no escritório de quatro salas num shopping no centro de Brasília, que chama de instituto, a romaria é de prefeitos, deputados e candidatos a qualquer cargo que fazem fila para buscar conselhos e apoio de Sarney em pendências na Esplanada.
– Tenho rotina de aposentado: hidroginástica e caminhada em dias alternados pela manhã. À tarde, das 15h às 19h, no instituto, recebo não autoridades, mas amigos, pois, na vida inteira, nunca gostei de fazer inimigos. Por isso, capim não cresceu em minha porta. Tenho, como o melhor coisa da vida, o gosto da convivência – explica Sarney.
No dia da quase queda de Temer, foram a Sarney, por exemplo, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), naquele momento um dos nomes cotados para uma eleição indireta pelo Congresso para um mandato-tampão no Planalto. Também foi se aconselhar sobre o que fazer e que regras adotar, o presidente do Senado, Eunício Oliveira, então responsável pelos caminhos a seguir em caso de renúncia de Temer.
– Eu seria o responsável pela sucessão se Temer renunciasse e teria que definir as regras. Fui lá e disse: queria ouvir do senhor o que acha. Se você tem uma angústia, naturalmente procura alguém mais experiente, vai lá, bota para fora, ele ouve, pondera e faz uma análise do que você colocou sem trazer seus sentimentos pessoais – diz Eunício, que, uma vez por semana, também recebe o político maranhense na residência oficial para uma taça de vinho e conversas sobre a conjuntura.
– Tasso e Eunício são meus velhos amigos. Não foram à minha casa pedir aconselhamento. A pauta de nossas conversas é a que nos dá os jornais diariamente. Sobre atualidades e notícias – conta Sarney.
Já Rodrigo Maia foi levado pela primeira vez à casa de Sarney pelo deputado Heráclito Fortes (PSB-PI), que estreitou os laços com o ex-presidente no Senado. Heráclito foi solidário com Sarney no escândalo dos chamados atos secretos que encobriram contratações irregulares de parentes e concessão de benefícios indevidos para senadores e dirigentes do Senado.
Sarney gosta de parecer poderoso. No caso da indicação de Segóvia, por exemplo, toda a mídia destacou seu apoio ao novo chefe da PF. Como no caso do veto ao deputado Pedro Fernandes para o Ministério do Trabalho, ele sempre nega, mas, para os próximos, admite que gosta. No dia seguinte à indicação de Segovia, numa conversa com um dos amigos que o visitaram no instituto, Sarney disse:
– Segovia tocou o processo contra Roseana e não fez nada indevido. Não fui eu que indiquei, mas se me perguntarem se eu gostei… Gostei.
O vice-governador do Maranhão, Carlos Brandão, lamenta que a eventual interferência de Sarney tenha tirado do estado a possibilidade de ter um ministro. Ele acusa Sarney e seu grupo de ter um único objetivo: não deixar o governo de Flávio Dino dar certo e colocar a filha, Roseana, de volta ao Palácio dos Leões. Além de Roseana governadora, o projeto é reeleger os senadores João Alberto (PMDB-MA) e Edison Lobão (PMDB-MA).
– O comunismo não deu certo na União Soviética, calcule renascer no Maranhão. Veja-se a Coreia do Norte – provoca Sarney sobre Dino, que é do PCdoB.
Além de indicar e vetar nomeação de autoridades, Sarney e seu grupo são acusados de boicotar o projeto de privatização da Eletrobras, feudo de senadores do Norte, como o líder do governo Romero Jucá (PMDB-RR) e o senador Eduardo Braga (PMDB-AM). Esse grupo controla as distribuidoras da Eletronorte no Norte e Nordeste e agora Sarney e Lobão articulam a indicação de André Pepitone para a Aneel.
– Não sou contra a privatização do setor elétrico. Acho que não pode ser feita atingindo empresas que fazem parte da soberania e interesse nacionais. Mas, em geral, o estado é um péssimo administrador – defende-se Sarney.