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Artigo: A tal cura gay

Já disse aqui, e mais de uma vez, o que acho desse debate constante e permanente sobre a vida intima das pessoas; sobre essa preocupação quase mórbida que tem alguns em saber com quem as pessoas se deitam (ou se deleitam, para lembrar de uma boa música). Pois é, acho uma falta do que fazer sem limites. Mas o Brasil, até nos momentos mais emblemáticos de sua história, como é esse que estamos vivendo, não consegue se livrar do assunto, as vezes acho que o grande tema nacional é o que costumo chamar de “a pauta gay”, volta e meia o assunto, que deveria ser privado, e tratado nos mais íntimos aposentos, retorna a sala de estar e à mesa do jantar.

Foi assim que, enquanto o Brasil arde nas chamas dos protestos justos e do vandalismo, nem tanto, a Comissão dos Direitos Humanos e Minorias achou tempo para aprovar o Projeto de Decreto Legislativo 234/2009, que tem sido divulgado na mídia como o projeto que trata da “cura gay”. Não conhecia o projeto, mas diante da polêmica, resolvi lê-lo e compartilhar minha opinião com os amigos, inclusive para saber se esse é um tema pertinente aquela comissão e ao legislativo brasileiro.

O teor do decreto é o seguinte:

“Art. 1o Este Decreto Legislativo susta o parágrafo único do Art. 3o e o Art. 4o, da Resolução do Conselho Federal de Psicologia no 1/99 de 23 de Março de 1999.

Art. 2o Fica sustada a aplicação do Parágrafo único do Art. 3o e o Art. 4o, da Resolução do Conselho Federal de Psicologia no 1/99 de 23 de Março de 1999, que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual.

Art. 3o Este decreto legislativo entra em vigor na data de sua publicação.”

Os dispositivos da Resolução do Conselho Federal de Psicologia no 1/99 de 23 de Março de 1999, que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual. Os dispositivos que querem ver extirpados têm o seguinte teor:

“Resolução no 1/1999

Art. 3° – os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.

Parágrafo único – Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.

Art. 4o – Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.”

Li e reli inúmeras vezes o teor da resolução e não encontrei nela nada demais. O parágrafo único do artigo 3º, parece-me em perfeita harmonia com seu “caput”, que estabelece, de forma razoável, que os profissionais de psicologia não favoreçam por nenhuma forma a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas ou que adotem ação coercitiva tendente a orientação para tratamentos não solicitado. Ora, esse dispositivo da resolução, até para os que aprovaram o PDL 234/2009, pareceu-lhes razoável, tanto assim que não o hostilizaram (sustaram apenas o parágrafo único e o artigo 4°). Pois bem, o parágrafo único só reforça o contido no “caput” e que pareceu razoável a todos (Os legisladores sabem muito mais que eu que o parágrafo de um artigo não possui vida própria, ele existe como complemento da sua cabeça, se fosse diferente ele mesmo seria um artigo). Se os profissionais não podem tratar o assunto como patologia, nem adotar ação coercitiva para tratamentos não solicitados, o dispositivo é claro quanto a isso, como poderiam participar de eventos para tratar de algo que não é uma doença? Não parece razoável.

Melhor sorte não tem a proposição quando trata de sustar a aplicação do artigo 4°. Leiam ai. Alguém acha razoável que um profissional de psicologia ocupe os meios de comunicação de massa para reforça preconceitos que colocam os homossexuais como portadores de desordem psíquica? Como doentes mentais? Entendo que não.

A resolução do Conselho Federal de Psicologia é de 1999, dez anos depois alguém acha que a mesma restringe o trabalho dos profissionais e a questiona alegando que o conselho extrapolou seu poder regulamentar.

Pelo que vi do texto, que está para que cada um forme sua convicção, não há no mesmo nada que não seja razoável, nada com a qual o cidadão médio e ponderado que leia não concorde, lendo-o e interpretando-o de forma harmônica.

Não vi nada que restrinja o trabalho dos profissionais de psicologia. O que fez como aliás fazem todos os conselhos profissionais, foi estabelecer premissas razoáveis para o seu exercício.

No mais, o que sobra neste país é uma intromissão indevida do poder estatal na vida dos cidadãos, isso fica claro quando vemos esse tipo de discussão ganhar corpo no Congresso Nacional, sobretudo, quando o país mergulha em uma de suas maiores crises. Mas posso está errado quando a interpretação dos dispositivos e os que discordam, desde que façam uma interpretação desapaixonada, estão convidados a me convencerem do contrário.

Finalmente, entendo que essa constante discussão só é posta para tirar do anonimato uma dezena de políticos e militantes que não tem um projeto político para o país e passam dias e dias buscando na vida privada das pessoas a solução para os seus próprios problemas, sejam ele de votos ou de ordem pessoal.

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