Por Abdon Marinho
Desde que o ministro do STF Joaquim Barbosa anunciou que estaria deixando o tribunal faltando, ainda onze anos, para a idade da aposentadoria, que é quando os ministros, geralmente, deixam a casa, e contrariados, que me faço esta pergunta: O Barbosa amarelou?
O ato de abdicar pode ser um ato altruísta, digno, desprendido. Acho que na mesma semana em anunciava a sua renuncia ao cargo de presidente e de ministro, o Rei da Espanha também informava que estava deixando a coroa espanhola para o filho, D. Felipe. Os desgastes do seu reinado, fosse por suas próprias atitudes ou de alguns outros membros do clã exigiam o ato como forma de devolver a esperança do povo espanhol.
Não faz muito tempo o Papa Bento XVI, entendeu insuportável, à sua saúde, a missão designada pelo próprio Deus através “Espirito Santo”, pelas mãos dos cardeais que o escolheram anos antes, tornou-se um papa emérito, recluso nos intramuros do Estado do Vaticano.
Na história do Brasil também tivemos renúncias, D. Pedro I abdicou em favor de seu filho Pedro de Alcântara, mais tarde coroado como D. Pedro II. O Marechal Deodoro da Fonsêca, que proclamou a República, renunciou pouco tempo depois de investido no cargo de presidente da República, entregando o pais ao vice, Floriano Peixoto. Getúlio renunciou, depois, no segundo período do seu governo, ‘saiu da vida para entrar na história’, nas suas próprias palavras, através do suicídio, Jânio Quadros renunciou, e talvez – sua renúncia –, tenha sido o estopim para a longa noite de ditadura que vivemos.
Todas essas abdicações, renúncias, foram e são significativas para a história dos estados e do nosso próprio país.
Você deve está se indagando sobre qual seria a ligação da renúncia de chefes de Estado com a renúncia de um mero membro de um órgão colegiado. Tem com razão. Se vivêssemos dias comuns, tal ato, seria apenas considerado um mero ato de vontade, desprendido, de alguém que não liga para o status conferido pelo cargo e encargo, preferindo contribuir com a nação noutra atribuição, noutra trincheira. Cada um de nós, podemos contribuir com o nosso país onde estivermos, seria assim, infelizmente não é.
O Brasil vive dias de dificuldade institucional, nossa jovem democracia corre sérios riscos, os atuais donos do poder têm um claro propósito hegemônico, e como todo projeto desta natureza, a primeira coisa a perecer é a democracia.
O país, pasmem, chegou ao ponto em que humoristas são agredidos nos palcos, como vimos em Búzios, não faz muito tempo, por esses dias, o cômico Marcelo Madureira, que fez a história do país nos diversos humorísticos que atuou, divulgou um vídeo em que pede apoio da população por ver cerceado sua liberdade de expressão; outro, Danilo Gentilli (que nem conheço muito) manifestou a mesma preocupação. Vejam, chegamos ao ponto em que humoristas já não podem fazer suas piadas, sem o justo receio de sofrerem represálias por parte dos governantes de plantão e seus aliados. Para efeitos históricos, nem a ditadura ousou tanto. Como a desgraça sempre pode piorar, não chegamos ainda ao ápice, mas já chegamos ao ponto do vice-presidente do partido mandatário – não é qualquer um – divulgar uma lista de jornalistas, humoristas, artistas e até pensadores independentes, como inimigos do poder.
Insinuando e insuflando a malta para que os ataquem por qualquer meio, inclusive fisicamente. Citou nominalmente, Reinaldo Azevedo, Augusto Nunes, Diogo Mainardi, Marcelo Madureira, Danilo Gentili, e outros.
Vejam o absurdo. Não, os generais não ousaram tanto. Se torturaram, mataram, eles e os seus, assumiram a vergonha de mancharem suas mãos com o sangue dos inocentes, não fizeram o trabalho sujo por meio de militantes tolos. Listas de proscritos, as últimas que tenho notícia, são da Alemanha nazista nos pré-acontecimentos da II Guerra Mundial. Os nazistas possuíam listas de intelectuais, homossexuais, judeus, cristãos, e outros tipos por inimigos do Terceiro Reich, para que a malta de seguidores os perseguissem, os espancassem, os torturassem pelas ruas alemãs. Uma página triste da história da humanidade.
O ainda ministro Barbosa sabe disso tudo. Ele próprio faz parte da lista de proscritos, já foi ameaçado pelas redes sociais, agredido em lugares públicos, chamado de recalcado, agredido por sua condição pessoal e racial. Ele próprio, em sessão plenária do STF denunciou o grave risco do aparelhamento do judiciário pelos donos do poder como instrumento de dominação total. Ele possui consciência que sua vaga, será preenchida de acordo com os interesses do partido e não do país. O Senado a quem caberia recusar a indicação da presidente jamais recusou, até mesmo as mais escandalosas passaram sem maiores questionamentos. O governo com seu pacto espúrio com os partidos da base pouco estão se importando com as instituições republicanas, querem é se locupletarem do poder.
O Brasil caminha para o fim da existência de poderes harmônicos e independentes. Teremos um poder central dominando os demais, poderes. O congresso não terá força para barrar os abusos e o STF terá como membros pessoas nomeadas por suas afinidades com o ideário partidário. Será o começo do fim da democracia brasileira. Um retrocesso monumental.
O ministro Barbosa, através de suas declarações, já demostrou, mais de uma vez, que tem clareza da situação que atravessa o país e suas instituições. E tendo consciência disso tudo é que se indaga se ele ‘amarelou’? Sua saúde não permitiria continuar mais um tempo, um ano ou dois, até termos ao menos um norte a seguir? As ameaças tornaram-se insustentáveis? Teme por sua vida e dos seus? Possui algo a esconder a ponto de não ter como ficar mais?
Todas essas perguntas são pertinentes. Torna sua renúncia tão relevante quanto as demais citadas anteriormente. Ele conduziu um processo durante anos, o processo do ‘mensalão’, os réus julgados e condenados, começaram a cumprir pena, por fim, mordeu a isca lançada pelos advogados dos apenados e teve que sair do processo. Os ‘chincaneiros’ não estavam preocupados com o direito, queriam tirar o relator do processo para garantir a desmoralização do Poder Judiciário. Não tarda que os réus estejam todos soltos, gozando de todo tipo de mordomia, se brincarem conseguem ganhar a ação que tentam anular o processo e por fim ainda recebam uma indenização do estado brasileiro. Duvidam?
Outro dia o ministro deu uma declaração das mais infelizes (já fez isso outras vezes). Indagado sobre algo relacionado ao processo do mensalão disse que não tinha mais nada com isso pois estava se aposentando. Pois é, todos temos algo com isso, ministro. São imensos os riscos que correm o Brasil. Muitos outros carregam igual fardo, enfrentam idênticos problemas de saúde e ainda assim, acham que podem se sacrificar um pouco mais pelo país. Uma pena que o senhor não possa mais.
Acho que muito tempo passará até que tenhamos respondido a pergunta com a qual inicio este breve texto.
Abdon Marinho é advogado eleitoral.