Por Abdon Marino
Durante mais de duas décadas mantive um bom diálogo com o jornalista Walter Rodrigues, quase todos os domingos trocávamos impressões sobre o quadro político nacional e local e sobre os demais assuntos de interesse da sociedade, seu falecimento em 18 de maio de 2010, deixou uma lacuna até hoje não preenchida na imprensa do Brasil. Abaixo a carta que lhe escrevo neste aniversário de morte.
São José de Ribamar, 18 de maio de 2014.
Meu caro WR,
Passaram-se quatro anos desde que partiste. Não imaginas quantas coisas aconteceram nestes anos de ausência tanto no nosso Brasil, quanto no Maranhão. Coisas que tenho certeza lhe causaria perplexidade, eu que acompanhei os acontecimentos ainda custo a me acostumar com o que vem acontecendo.
Estamos, como sabes, às vésperas da copa do mundo, apesar do pouco tempo que falta para o mundial, as obras ainda persistem dentro dos estádios, de tudo que foi prometido em 2007, acho que nem 40% (quarenta por cento) foi executado, as obras estruturais que o pais tanto precisa e que foram prometidas como legado da copa, só 12% (doze por cento) ficaram prontas. É possível que, a exemplo de quase tudo que acontece por aqui, tenhamos que nos virar na base dos improvisos. Sinto, até mesmo nos torcedores mais fanáticos pelo futebol, uma certa apatia, insatisfação, até, com o mundial, na verdade é como se estivessem mesmo chateados com o papel de tolos que o governo fez toda a população passar. Lembra que disseram que não colocariam recursos públicos no mundial? Pois é, as contas feitas sustentam que 96% (noventa e seis por cento) dos recursos empregados, foi dinheiro público. Não digo nosso, porque o amigo já não mais vítimas dos impostos como nós, os vivos. Se há alguma vantagem em morrer, uma deve ser esta: não ser roubado pelos governantes na sua sanha arrecadadora. Desde que nos deixou, a carga tributária só aumentou, a ponto de termos trabalhado de janeiro até hoje só para o pagamento de impostos. Já foram arrecadados quase R$ 700 bilhões, só este ano, a grande parte só para sustentar a máquina pública que os companheiros do governo não param de inchar e aparelhar com seus inúmeros e incompetentes aliados.
Enquanto isso, o pais parece caminhar para trás, a inflação começa a mostrar sinais de ressurreição, tudo aumentou, e muito, nos últimos tempos, da farinha de mandioca ao litro de gasolina, que já chegou a R$ 3,00. As obras públicas, apesar de tanto que o governo arrecada, não avançam, as estradas parecem tábuas de pirulitos, o Brasil continuam perdendo quase 40% de sua produção no chamado custo Brasil, a produção agrícola não consegue chegar nos portos, fazendo com que percamos inúmeros contratos internacionais, as hidrovias e ferrovias também não foram adiante, assim como as obras de transposição do Rio São Francisco, prometidas e iniciadas antes de tua partida. Os bilhões gastos não levaram uma gota de água sequer ao semi-árido nordestino que amarga sua pior seca em mais de 50 anos, o valor inicial da obra já dobrou até aqui e é possível que cresça ainda mais. Apesar disso a água não chegou e povo amargou impiedosa, com os coronéis do Nordeste continuando a explorar a miséria provocada pela indústria da seca.
Se antes de partires já era patente o escuso acordo entre o partido governista com as velhas oligarquias, fique certo que as coisas só pioraram. Os Sarney, os Collor, os Calheiro, os Barbalho, os Jucá, só para citar alguns continuam dando as cartas na política nacional.
Estes, aliás já começam a preparar a sucessão nos seus Estados com seus filhos no comando, a exceção do primeiro, por motivos óbvios.
Este ano, além da copa também teremos eleições, qualquer palpite neste momento é prematuro. Os governistas que estavam bem confortáveis para a disputa parecem que começam a sentir os efeitos dos equívocos cometidos e também o cansaço dos eleitores que não aceitam mais a mesmice política ainda que acompanhada de pão e circo.
No Maranhão as coisas continuam como sempre, apenas pioradas em relação ao resto Brasil. As condições do povo continuam as mesmas, com mais de sessenta por cento da população dependente do “bolsa família”, só comparável ao Estado do Piauí. Os demais indicadores sociais, continuam imutáveis, embora o Estado apresente um visível crescimento econômico.
Como sempre foste um amante da imprensa e da liberdade de expressão talvez te interesse em saber que a nossa imprensa só piorou depois de tua partida. Com poucas e honradas exceções, a notícia tornou-se um negócio só comparável ao da máfia, com extorsões, chantagens e até assassinatos em torno do mesmo. Os que não recusam a fazer todo tipo de negócio têm prosperado. Jornalismo mesmo, poucos ainda sabem o que é, estão mais interessados é em alugar suas páginas digitais, seus programas de rádio, seus jornais a quem melhor pagar.
A violência que já era grande, só aumentou desde que nos deixaste, nunca se cometeu tantos homicídios no Brasil, são quase 50 mil por ano. Como menos de dez por cento gera alguma punição os bandidos se sentem cada vez mais livres para, escudados na impunidade, continuarem a matar, estuprar e a cometer toda a sorte de delitos.
Neste cenário o Maranhão não fica atrás, o tráfico de drogas, e com ele a violência, já chegou a todos os municípios e até mesmo nos povoados, a região metropolitana da capital já figura entre os cinquenta lugares mais violentos do mundo. Mata-se nas ruas por nada, a vida já não tem qualquer valor.
Mas talvez te surpreendas mais com o que tem acontecido na política local. Após a derrota para Castelo nas eleições de 2008 e para Roseana em 2010, com o falecido de Jackson Lago que também nos deixou, o comunista Flávio Dino tornou-se o candidato mais forte para vencer as eleições de 2014. Talvez, pois o páreo, diferente do que pensava pode ter complicações, principalmente se insistirem em cometer os mesmos erros que sempre cometeram, divisões internas, vaidade e falta de profissionalismo. O partido do candidato uniu-se ao PSDB que deve indicar o candidato a vice-governador, o deputado Brandão. Acontece que querem mais, querem indicar também o candidato a senador, ninguém menos que o ex-prefeito de São Luís, que derrotado pelo candidato de Dino em 2012, se apresenta como o mais forte no campo oposicionista, só que vaga de candidato já fora prometida desde muito tempo a vice-prefeito de São Luís, Roberto Rocha.
Como vê, trata-se de uma equação de difícil solução. Talvez, como já fizeram outras vezes lancem não
sei quantos candidatos e facilite o trabalho dos governistas, que embora não estejam tão unidos, devem lançar um só candidato.
No campo governista, aliás você encontrará a maior surpresa destas eleições. Depois de embalar durante anos a candidatura do ex-prefeito de São José de Ribamar, desde outubro de 2013, começaram a lhe retirar o apoio, levando-o a renunciar a indicação de candidato no começo de abril. No dia seguinte à renúncia já lançaram o substituto, o senador suplente Lobão Filho. Sim, meu amigo ele mesmo, sobre quem tantas vezes escrevestes. Quem em sã consciência haveria de imaginar que este cidadão ousaria se candidatar a tão elevado cargo? Pior que isso, quem diria que a população do Maranhão iria achar isso normal?
Pois é, não só é candidato como conta com o apoio dos atuais mandatários do Brasil, leia-se, Dilma, Lula e do PT em geral. O amigo precisava ver a forma efusiva como o candidato a governador Lobão Filho foi recebido no congresso do partido, ocorrido num hotel da cidade, e forma mais apaixonada como o partido lhe declarou apoio. Parecia que estavam em êxtase, amigos de infância se reencontrando. Se no apoio a Roseana, quatro anos antes, houve alguma resistência, ao notório Senador Lobão Filho foi só alegria. Indicarão o candidato a vice-governador ou o candidato a suplente de senador na chapa.
Não faça como os oposicionistas daqui e pense que a candidatura é de brincadeira. Há muitos interesses financeiros envolvidos na disputa, inclusive no que se refere a exploração de gás, petróleo e minérios no Estado. Fala-se também numa possível extração de xisto, com todo seu potencial destrutivo, na bacia do Parnaíba, mas isso é assunto para outra carta. Acredito que moverão céus e terras para obter êxito eleitoral. Se o candidato conseguir manter a boca fechada, não duvido que consigam.
Despeço-me amigo, depois de tudo que narrei nesta missiva, se me perguntares se avisto os bois voando sobre as praças da capital, digo que não, mas não tarda que isso ocorra.
Numa outra correspondência lhe narrarei os últimos acontecimentos.
Um forte abraço do amigo.
Abdon Marinho é advogado eleitoral.
P.S. O poeta José Chagas nos deixou outro dia, se o encontrar por aí, peça-lhe que conte as coisas inacreditáveis da nossa terra.