As decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) de bloquear emendas parlamentares ao longo do ano passado deixaram R$ 2,5 bilhões em verbas indicadas pelas comissões da Câmara e do Senado travados. Na prática, os recursos ficaram no caixa do governo e não poderão mais ser utilizados.
Ao todo, o orçamento do ano passado reservou R$ 14,2 bilhões para esse tipo de emenda. Diante do cabo de guerra entre o ministro Flávio Dino, do STF, e o Congresso Nacional, cerca de 82% do valor foi liberado antes do fim do ano, o equivalente a R$ 11,7 bilhões. Esse dinheiro foi enviado a estados e a municípios para obras e serviços indicados por parlamentares.
As emendas de comissão foram turbinadas no Orçamento de 2023, quando receberam parte dos recursos que antes eram destinados às chamadas emendas de relator, base do chamado “Orçamento Secreto”. Naquele ano, o primeiro do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o governo federal empenhou 99,5% dos R$ 6,8 bilhões reservados para as emendas de comissão. No ano passado, o montante mais do que dobrou de tamanho, mas o percentual empenhado ficou nos 82%.
Diferentemente das emendas individuais, dentro da qual estão incluídas as chamadas emendas Pix, e das emendas de bancada, as emendas de comissão não são impositivas. Ou seja, na prática, o governo não é obrigado a executá-las. O mesmo acontecia com as emendas de relator, ou Orçamento Secreto. Entretanto, quase todo o valor costuma ser empenhado. O empenho é a primeira etapa para o pagamento, quando o recurso é reservado antes de ser pago.
‘Culpa de Lira’
Presidente da Comissão de Integração Regional da Câmara, o deputado José Rocha (União-BA) culpa o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), pelo bloqueio dos recursos. Segundo ele, a tentativa de indicar os líderes de bancada como “padrinhos” das emendas foi o que travou os recursos, já que descumpriu o determinado por Dino anteriormente. Procurado, Lira não comentou a crítica.
— Não foi empenhado por culpa do presidente Arthur Lira, que não mandou para os ministérios exatamente aquilo que determinou o STF, que era ter o nome do autor da indicação, o objeto da indicação e o beneficiário da indicação. Faltou o presidente mandar essas informações para a Comissão, no caso posso falar da minha comissão — afirmou.
Com o bloqueio imposto por Dino, o Ministério da Integração, por exemplo, foi impedido de empenhar R$ 1 bilhão em recursos indicados por deputados e senadores. Ao todo, a pasta tinha à sua disposição cerca de R$ 2 bilhões em emendas de comissão, mas só liberou R$ 993 milhões, pouco menos da metade.
Praticamente todo o recurso saiu de apenas uma ação orçamentária dentro do ministério, chamada de “Apoio a Projetos de Desenvolvimento Sustentável Local Integrado”. Apesar do nome, essa é uma das programações que Dino classificou de “genéricas”. Infladas com as emendas de comissão, ela é composta principalmente por transferências para municípios e estados para obras como pavimentação de estradas.
Proporcionalmente, o segundo ministério mais afetado foi o do Turismo, com R$ 534 milhões que deixaram de ser empenhados. O valor é menor do que o que ficou sem destinação na Saúde, mas maior no peso que ele tem dentro do órgão: é o equivalente a 42% dos recursos de emendas de comissão.
No caso da Saúde, apenas 8% ficaram nos cofres do governo federal. Já no Turismo, a principal ação afetada é chamada de “Apoio a Projetos de Infraestrutura Turística” e também representa convênios firmados entre municípios e estados para obras como construção de portais e renovação de orla em cidades litorâneas.
Sem indicação de autor
Em 23 de dezembro do ano passado, Dino suspendeu a execução de emendas de comissão após a Câmara dos Deputados e o Senado Federal enviarem ofícios apresentando como padrinhos dos recursos apenas os líderes partidários. Na decisão, entretanto, o ministro do STF autorizou a continuidade de execução de emendas que já tivessem sido empenhadas da sua decisão e também permitiu a liberação dos recursos destinados à Saúde.
Segundo um levantamento do GLOBO, o governo federal empenhou R$ 1,6 bilhão em emendas de comissão. Do total, porém, pelo menos R$ 700 bilhões foram atribuídos de forma genérica aos líderes partidários.
Em 18 de dezembro, por exemplo, o governo federal empenhou R$ 49 milhões para a implantação e qualificação viária no perímetro urbano na capital da Paraíba, João Pessoa. Entretanto, ao indicar como parlamentar solicitante, foram incluídos os nomes de todos os líderes de partidos da Câmara dos Deputados.
A exigência da inclusão ocorreu por determinação de uma portaria da Secretaria de Relações Institucionais, que determinou que deveria ser incluída na nota de empenho a “identificação nominal do(s) parlamentar(es) solicitante(s)”.