Da Folha de São Paulo
Cármen Lúcia gaguejou e anunciou um voto confuso e decisivo na noite de 11 de outubro. O STF (Supremo Tribunal Federal) definia quais medidas adotadas pela Justiça que impedem o exercício parlamentar precisam do aval do Poder Legislativo.
Duas semanas depois, em tom de voz baixo, interrompeu um bate-boca entre os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso no plenário da corte e deu continuidade ao processo em discussão.
Sua postura em ambos os casos foi criticada dentro e fora do tribunal. Colegas, ministros de outras cortes e advogados dizem, reservadamente, que ela perdeu força e liderança. Para eles, na ação sobre medidas cautelares contra parlamentares, Cármen Lúcia deveria ter fortalecido o Supremo ante o Congresso. Já no embate entre Gilmar e Barroso, o melhor era ter encerrado a sessão.
Para outro grupo, no entanto, o “perfil conciliador” da presidente deu ao tribunal a prerrogativa de poder afastar um congressista –ainda que o Legislativo possa reverter a decisão. Sobre a briga, destaca-se que ela garantiu o término do julgamento pautado.
O desgaste na imagem do STF não se restringe à figura da presidente. Ministros, sem se identificar, afirmam que “a energia está pesada”.
Gilmar, o mais polêmico na corte, foi alvo de hostilidades pelo menos três vezes neste ano em São Paulo –em outubro, um grupo lançou tomates em frente ao local onde ele deu uma palestra. Barroso, que começou a discussão ríspida com o colega, ganhou apoio em redes sociais e de integrantes do Ministério Público. Mas foi criticado por ter provocado e pelas expressões usadas.
A desavença recente não foi a primeira nem a maior no plenário do Supremo. O próprio Gilmar protagonizou embates famosos com Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Joaquim Barbosa. O ministro não raro ataca os colegas. Em setembro, disse que Edson Fachin, relator da Lava Jato, corria o risco de manchar sua biografia por causa da polêmica delação dos dirigentes da JBS.
O ataque foi feito durante uma sessão. Nos bastidores, outros ministros já criticaram Fachin por causa da colaboração dos executivos. Além disso, o relator da Lava Jato ficou desgastado por não ter levado ao plenário, em 18 de maio, a decisão de afastar o senador Aécio Neves (PSDBMG). A ação mudou de relator, o tucano retomou o mandato, foi afastado de novo, e o caso terminou cinco meses depois, com o desempate de Cármen Lúcia na ação sobre medidas cautelares a parlamentares. O Senado devolveu o cargo ao tucano.
DIVISÃO
O racha atual no Supremo em questões sociais e políticas tornou-se mais evidente e passou a ir além das sessões. Em conversa reservada, um ministro já usou a expressão “nós ganhamos”, ao se referir sobre a posição majoritária do resultado de um processo.
Fachin, Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux costumam ter posições mais duras em questões penais. Em contraponto, Gilmar, Lewandowski, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Marco Aurélio têm perfil garantista (defendem que a pessoa recorra em liberdade).
Nas turmas, as decisões têm tido placar de 3 a 2. Cármen Lúcia não participa. As diferenças ideológicas dentro do colegiado tendem a ser mais explícitas com os julgamentos relacionados à Lava Jato, assunto de maior visibilidade
no tribunal. Ainda não há data, mas a corte deve voltar a discutir a prisão de condenados em segunda instância, o prazo de prisões preventivas, a possibilidade de a Polícia Federal fechar acordos de delação e a extensão do foro privilegiado.
Cármen Lúcia não incluiu nenhum desses temas na pauta de novembro. De acordo com um magistrado, houve um pedido para que ela evitasse assuntos polêmicos.
SEGUNDA INSTÂNCIA
Em 2016, o STF decidiu que o juiz pode determinar o início da pena após o réu ser condenado por um tribunal –ou seja, pode até recorrer, mas estando preso. A decisão foi considerada essencial por procuradores para o sucesso da Lava Jato.
À época, votaram contra: Rosa, Celso de Mello, Marco Aurélio, Toffoli e Lewandowski. Gilmar, que tem forte trânsito no mundo político, votou a favor da execução provisória da pena, mas mudou o entendimento e passou a conceder habeas corpus a condenados que podem recorrer.
Como o placar foi 6 a 5, a mudança de Gilmar pode ser decisiva para outro resultado em um novo julgamento.
SUPREMA CONFUSÃO
Cármen Lúcia
Presidente de 2016 a 2018. Com a corte rachada, tem dado o voto decisivo em julgamentos importantes, já que é a última a votar. Votou a favor da prisão após condenação em segunda instância;
Dias Toffoli
Vice-presidente, vai suceder Cármen Lúcia em setembro de 2018 para um mandato de dois anos. Tem preferido se manter distante dos holofotes. Votou contra a prisão após segunda instância;
Celso de Mello
Ministro mais antigo da corte. Garantista (defende que o suspeito recorra em liberdade). Na Lava Jato, tem sido duro. Votou contra a prisão após segunda instância;
Marco Aurélio Mello
O mais imprevisível no tribunal. Garantista, defende que o réu responda em liberdade até esgotados todos os recursos. Votou contra a prisão após segunda instância
Gilmar Mendes
O mais polêmico entre os ministros. Próximo do presidente Michel Temer, adotou posição garantista na Lava Jato e mudou o entendimento sobre prisão após segunda instância. Votou a favor, mas agora é contra a prisão após segunda instância;
Ricardo Lewandowski
É considerado garantista. Votou contra a prisão após segunda instância Luiz Fux;
Tem adotado posições duras e progressistas. Votou pela cassação da chapa Dilma-Temer no TSE. Votou a favor da prisão após condenação em segunda instância;
Rosa Weber
A mais discreta entre os magistrados, vai presidir o TSE na eleição de 2018. Dura ao julgar casos de corrupção, foi chefe do juiz Sergio Moro, que trabalhou em seu gabinete em 2012. Votou contra a prisão após condenação em segunda instância
Luís Roberto Barroso
Considerado o mais progressista entre os ministros, é a principal voz a favor da Lava Jato no Supremo. Oriundo da advocacia. Votou a favor da prisão após condenação em segunda instância;
Edson Fachin
Sorteado relator da Lava Jato após a morte de Teori Zavascki, em janeiro de 2017, sofre desgaste após as controvérsias na delação dos executivos da JBS. Votou a favor da prisão após condenação em segunda instância
Alexandre de Moraes
Constitucionalista, foi secretário no governo Geraldo Alckmin (PSDB) em São Paulo. Foi ministro da Justiça no governo Michel Temer. Não participou do julgamento sobre prisão após segunda instância.