Por Milton Corrêa da Costa
Comemora-se neste 20 de novembro o Dia de Zumbi, líder da resistência à colonização no Quilombo dos Palmares, em Alagoas. É também chamado de Dia da Consciência Brasileira mas que deveria chamar-se, em verdade, Dia da Consciência Discriminatória. No Brasil, um país eminentemente miscigenadO -mas de nariz em pé- há dois tipos flagrantes de discriminação, muito arraigadas à sua cultura: a racial e a social. Registre-se que sou descendente de negro, índio e europeu. Meu pai, nascido no interior do Estado de Pernambuco, no início do século passado era filho de negro com índio. Minha mãe, filha de português com espanhol. Portanto uma autêntica miscigenação. Por isso, tenho respaldo, como brasileiro autenticamente miscigenado, para abordar o assunto.
Não é preciso divulgar dados de nenhum censo, ainda que nos forneçam respaldo para tratar do tema, para observar que falta muito para que os negros brasileiros (pardos e pretos) sejam libertados da escravidão na prática. Dados da escravização atual permanecem fortemente indicando que a inclusão social de pobres e negros ainda está muito distante no país. Negros e pobres continuam recolhidos aos guetos de morros, favelas, palafitas, moradias humildes, sem saneamento básico, sem educação, famintos e sem dignidade, situações chocantes- há localidades sem água para matar a sede- que os conduz às mais diferentes moléstias e condições sub-humanas de sobrevivência
Quis fugir dos números mais acabamos recorrendo a eles. Segundo o Censo 2010, no caso do Município do Rio de Janeiro, nos dez bairros mais pobres, 63% são negros (pretos os pardos) e há 6,4% de analfabetos. A renda média varia de R$317,00 a R$488,00. Já nos dez bairros mais ricos, só 13% são negros e a taxa de analfabetismo á de O,6% . A renda média varia de R$3.737,00 a R$6160,00. É a demonstração estatística de um país excludente para negros, evidentemente a maioria dos pobres.
Há 101 anos um destemido negro marinheiro, João Cândido Felisberto, comandou uma revolta na Marinha Brasileira contra o castigo das chibatas. Além do castigo corporal o enforcamento de praças era muito comum nos porões dos navios. Neste 20 de novembro, data da morte, em 1695, de Zumbi dos Palmares, diversas comemorações ocorrem em território nacional. Zumbi foi um dos ícones da resistência à escravidão do Brasil Colonial.
No entanto, até hoje, o negro, se for pobre e favelado, é sinônimo, para os ditos “brancos brasileiros” de nariz em pé -alguns de olhos claros pela descendência européia- de seres humanos de segunda categoria.
A cultura do “negro correndo é ladrão” e “branco é atleta” infelizmente ainda permanece enraizada entre nós. A discriminação racial e social ainda é muito forte no Brasil do século XXI. Favela continua sendo – salvem as UPPs no Rio- gueto e refúgio de negros e pardos. Ainda bem que as UPPs – antes tarde do que nunca – vieram para resgatar a cidadania de excluídos de morros e favelas do Rio. Já são quase 400 mil beneficiados pela tomada de territórios das mãos dos chefões do tráfico.
No Brasil, porém, ainda não nos libertamos do escravismo racial quanto mais do social. Há que se lembrar sempre que a raça branca brasileira pura inexiste. Somos quase todos miscigenados, pardos ou bronzeados, mas se o cabelo for liso alguns, hipocritamente, se excluem com ar de supremacia da afrodescendência e se vangloriam declarando-se brancos como se fossem seres humanos superiores pela cor da pele, pela lisura do cabelo ou pela cor dos olhos.
Vamos deixar de hipocrisia, o Brasil discrimina sim negros, pobres e homosssexuais. No Brasil ainda vincula-se a cor da pele e a sexualidade como parâmetros para os “ditos brancos” e heterossexuais se considerarem seres superiormente diferenciados. Dia da Consciência Negra não precisava existir se todos de fato fossem respeitados não pela cor, raça, credo, sexo, sexualidade, condição social ou cultural, mas como seres humanos, iguais em direitos e oportunidades
Os avanços ainda são muito pequenos no campo da igualdade racial e social. Registre-se que 90% dos mais de 400 mil reclusos que compõem a população carcerária no Brasil são pardos ou negros. Muitos ali se encontram por falta de oportunidade, ainda que não comungue da ideia de que exclusão social dê direito a cometer crimes.
Ainda falta muito para o Brasil para que negros, pardos, bronzeados, índios e homossexuais e até mesmo nordestinos do interior do Brasil não sejam apenas iguais pretensamente perante as leis mas sobretudo pela consciência do não preconceito. O mundo deve muito à raça negra, representada por ícones e ídolos em todos os ramos da atividade humana, sem falar na imensidão da contribuição cultural afrodescendente deixada no Brasil.
O Brasil é um país historicamente alicerçado, em sua formação social, nas culturas negra e indígena. Um legado cultural e social dos mais importantes.
Não há muito o que comemorar, pois, neste 20 de novembro, apenas agradecer aos negros que lutaram no mundo contra a discriminação racial e pela igualdade de direitos. A eleição de Barak Obama como presidente da maior potência do mundo, os EUA, foi altamente significativa para expressar que cor de pele não significa competência e honradez. Ressalte-se ainda que o maior atleta do século XX, Edson Arantes do Nascimento. Pelé, pertence à raça negra, um exemplo de profissional do futebol que elevou o nome do Brasil nos quatro cantos do mundo.
O homem, portanto, em razão da diferente cor da pele ou sexualidade não pode ser objeto de tratamento degradante ou discriminatório. O texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos declara todos os seres humanos iguais em direitos, independente de raça que se originem. Não há seres humanos superiores, todos nós somos iguais. O grito de liberdade e da discriminação precisa ecoar todo dia nesse Brasil miscigenado a todo momento, não em datas específicas. Aqui, o racismo, a discriminação e a escravidão ainda não tiveram fim.
Milton Corrêa da Costa
Coronel da reserva da PM do Rio de Janeiro
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