Por Abdon Marinho
Outro dia pensava sobre a dor. Lembro que sempre me causou impacto a expressão contida numa música que dizia: “tire o seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor”.
Um samba lindo, toda sua letra é uma lição. Entretanto a que mais me chamou atenção foi esse pedido de licença para que a dor passasse. Não falo da dor física, a dor palpável quantificada cientificamente ou a dor clinica para a qual os médicos tem suas teorias e ciências. Aqui falo da dor sentimental, a dor abstrata, aquela dor que aperta a o peito e dói na alma. Falo da dor que está contida num soluço sem lágrimas. Falo da dor que trás consigo o desespero da perda irreparável. A dor que dói com ou sem sentido. A dor da partida. A dor da saudade. A dor do amor a qual um outro poeta a definiu como a “dor que desatina sem doer”.
Ao longo dos tempos a dor tem sido relegada. Tratada como um sentimento subalterno. Tanto que o artista pede licença para passar com ela. Passar com a sua dor.
Fomos condicionados a escondê-la. Os maiores infortúnios e tribulações e não podemos demonstrar o que sentimos, não era/é de bom tom, educado, demonstrar. Guarde sua dor só para você. Não a partilhe com ninguém, não seja escandaloso, aguente calado.
Como não demonstrar o que sentimos diante da perda insuportável? Como calar diante da dor incessante? Como aceitar o inaceitável ou calar diante da indignidade? Como não sentir o que estamos sentindo?
Embora o artista na sua poesia peça licença para passar com a sua dor. E isso é de uma beleza e de uma ousadia imensurável, pois a dor, antes, durante e depois de tudo é tida como um tabu, sobre a qual apesar muitos sentirem, sobre a mesma não falam, acho que a dor não precisa de licença. Não temos porque esconder a dor que sentimos. Seja da perda irreparável, do sentimento não correspondido. A dor é nossa temos o direito passar com ela, levá-la conosco por onde quisermos.
Hoje, revendo meus conceitos e até preconceitos, posso dizer que tenho um certo carinho pelas pessoas que têm a ousadia de sentirem e viverem suas dores, os que não tentam ocultá-las sob o manto da hipocrisia e do cinismo. Principalmente pelas pessoas que vivendo suas dores, delas extraem lições que lhes serão úteis pelo resto de suas vidas. Entretanto, o que devemos repudiar como máxima veemência é a exploração que alguns fazem da dor alheia, principalmente com o intuito de lucrarem com isso, não temos como não considerarmos esse comportamento execrável.
Conhecendo pouco a dor ou dela se conhecendo muito, dela não falamos por medo de “atrair”. Impressiona como carregamos esse receio, por toda vida. Talvez, também nos escusemos de falar, por ligarmos à dor física, ao sofrimento causado por ela. Já com o amor, que poderíamos dizer, está no seu oposto, falamos muito. Livros e livros, poesias, músicas, tudo mais que possa existir, é o amor sua inspiração e seu depositário. A dor serviria apenas para completar a rima.
Afinal, amor rima com dor? Tomara que não. E ainda que tivesse o sentido de rimar, para sentir a dor é preciso antes ter vivido o amor, o que já valeria a pena. Não seria assim?
Abdon Marinho é advogado eleitoral.