Não parecia que Dilma Rousseff estava nas horas finais como presidente em exercício. Mandou limpar as gavetas, desfez-se dos papeis inúteis e guardou em uma caixa as fotos da filha, Paula, e dos netos Gabriel e Guilherme. Entre uma providência e outra, até fez brincadeiras. Não havia sentimentalismos no terceiro andar do Palácio do Planalto.
Vez ou outra, Dilma se divertia com os tropeções de Michel Temer na montagem do ministério. “Não era fácil?”, tripudiava um dos mais próximos auxiliares da petista. Os assessores próximos há muito já haviam digerido o inevitável.
Os primeiros passos
No primeiro ano de seu mandato, a faxina lançara Dilma Rousseff a invejáveis níveis de popularidade. Era o primeiro sinal de que o modelo de coalizão falira. Ministros indicados pelos partidos eram flagrados pela imprensa em casos suspeitos de desvios. E a chefe os demitia imediatamente. O governo parecia ter encontrado uma narrativa de sucesso: a mulher intolerante à corrupção varria os impuros de cena.
À medida que as pesquisas de opinião a favoreciam, aumentava sua certeza de que tudo tinha de ser do seu jeito. Sempre que contrariada, rebatia: “Você tem 55 milhões de votos?!”. E quanto mais poder conquistava, menos olhava para o Congresso.
Abatido por um câncer na laringe, Lula precisou se afastar em outubro de 2011. E sua antecessora passou a governar sem o seu poder moderador particular.
Com o padrinho no exílio médico, Dilma mergulhou de corpo inteiro na microgestão. Anunciou, orgulhosa, um sistema de câmeras que permitiria controlar projetos públicos, como filas de hospitais federais e canteiro de obras, a partir de seu gabinete.
As insatisfações no Legislativo foram surgindo aos montes. Promessas não cumpridas, apadrinhados não empossados, emendas não liberadas. Tudo era feito a seu tempo. No lugar de recompor a base, a petista dobrava a aposta. Não cedia ao Congresso.
Os pedais e as pedaladas
Enquanto a poeira subia na política, o Planalto se voltava para o plano de concessões em infraestrutura. O pior do estilo Dilma aflorava ali. Crescia a intervenção do Estado sobre a economia. Sempre que alertada sobre os excessos, reagia com explosões ruidosas.
Guido Mantega, titular da equipe econômica, não reagia às broncas. Quase ninguém reagia, aliás. E a presidente foi encontrando terreno fértil para se tornar, ela mesma, a ministra da Fazenda. Dava poderes crescentes a Arno Augustin, então secretário do Tesouro de vertente econômica à esquerda do PT.
Em 2013, Augustin fez toda a sorte de manobras contábeis junto a instituições públicas. Os artifícios só começariam a se tornar evidentes quando os bancos estatais divulgaram, no ano seguinte, seus balanços. Estava dado o alicerce das chamadas pedaladas fiscais.
Do amor ao ódio
Até a reeleição, Dilma, mesmo com a popularidade em queda, recebia entusiasmadas cartas de eleitores. Até pedidos de casamento via correio ela recebia.Em 2015, as mensagens carinhosas foram dando lugar a missivas agressivas: “Pegue as suas coisas e vá embora”, dizia uma delas.
Àquela altura, a Lava Jato já navegava em ritmo de cruzeiro, e por muito tempo a presidente acreditou que o desgaste não chegaria nela. Sua relação com o PT foi ficando mais difícil, e o padrinho Lula não conseguia esconder sua raiva da sucessora.
Dilma só se deu conta de que a operação da PF não excluía o núcleo do governo no fim de 2015. As acusações contra a campanha de reeleição se avolumaram, mas a presidente desafiava: “Nunca acharão nada porque nunca fiz nada de errado”, dizia -e diz–, levando o punho cerrado contra o peito.
Poucas coisas tiram Dilma tanto do sério quanto as acusações de desonestidade. Na véspera da votação do impeachment, ela soltou a seguinte frase à amiga Kátia Abreu, ministra da Agricultura.
“Não se preocupe, minha filha. Se houvesse a menor hipótese [de irregularidade minha], eu não ficava aqui para passar vergonha”, afirmou a presidente antes de desligar o telefone.
Folha de São Paulo