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Em termos

Por Abdon Marinho

Alguém indaga: “Tu és contra ou a favor disso? Aprovas ou desaprovas aquilo?” A ninguém ocorre indagar: “o que você acha disso ou daquilo?” A impressão que tenho é que vivemos em um mundo totalmente dicotômico, onde não se é admitido uma terceira opinião, um meio termo, etc.

Ora, as pessoas comuns, o cidadão médio não tem obrigação de filiar-se ou alinhar-se automaticamente a determinada causa ou a cerrar fileiras por essa ou aquela ideologia. Essas pessoas têm o direito de dizerem com todas as letras: “em termos”. O direito de dizerem isso sem qualquer constrangimento. Atualmente vivemos dias de estranha covardia onde as pessoas para não ferirem suscetibilidades de amigos, colegas ou parentes acabam concordando com coisas que a sua consciência íntima não aceita ou que repudia.

Esse é um maniqueísmo perverso que tenta colocar as pessoas contra a parede e a terem uma opinião sobre um tema qualquer. Pior que isso, as patrulhas tentam levar essas pessoas para as causas como se fossem um troféu. As questões complexas, e elas são muitas, admitem, sim que se tenha uma opinião intermediária, conforme o caso se apresente.

Tomemos a questão do aborto, como exemplo, apenas como exemplo. Muitas pessoas são favoráveis ao aborto em determinados casos e contrários noutros casos. Isso não diminui em nada uma pessoa que pense assim, porque são situações distintas. Uma coisa é você ser contra o aborto no caso de estupros, risco de vida para mãe, de fetos sem cérebros, etc., outra coisa é você ser favorável ao aborto simplesmente porque a mãe arrependeu-se, não tomou as precauções contra conceptivas ou que, embora quisesse engravidar não concorda com o sexo do bebê. Como disse, trata-se um exemplo. Segue outro: não acredito que exista na face da terra uma pessoa capaz de defender o consumo de crack, oxi ou outros substratos. A imagem daquelas pessoas vagando como zumbis pelas ruas choca qualquer um, destrói famílias inteiras, cidades inteiras, sobretudo as menores onde essas drogas começam a chegar com força. Você não pode igualar essa situação a situação de alguém que fuma baseado de maconha uma vez ou outra.

O que quero dizer é que diversas questões do nosso dia a dia, admitem um meio termo. O “em termos” não pode ser banido da discussão como se não existisse. Os exemplos citados, existem diversos. As pessoas que adotam posições intermediárias precisam ser respeitadas nos seus posicionamentos.

Outro dia li uma entrevista onde uma escritora, roteirista, dizia que hoje tinha muito mais medo de dizer o que pensa do que no tempo da ditadura. Essa é uma afirmação gravíssima para o que entendemos como evolução social. Se estamos bem piores no quesito livre expressão do pensamento do que nos sombrios tempos da ditadura significa que estamos regredindo enquanto sociedade, que estamos nos tornando cada vez mais intolerantes.

E é verdade. O Brasil avança a passos largos para uma sociedade intolerante onde cada grupo de pressão que impor sua doutrina, seu pensamento, seu estilo de vida, sem respeitar as opiniões contrárias ou o espaço dos outros. As pessoas se acham no direito de se sentirem ofendidas com a forma como o seu vizinho leva sua vida. Passam mais tempo cuidando da vida alheia do que da sua própria. Pior que isso, só o patrulhamento, a intolerância, o desrespeito e a violência moral e física. A que ponto estamos chegando?

A intolerância que nos remete à idade média está presente em tudo, na política, na religião, na vida social. Você tem que dizer que apoia esse ou aquele candidato. Se apoia não tem o direito de ver seus defeitos, só as suas qualidades e fazer o oposto em relação ao adversário. Vamos combinar, isso é uma estupidez sem tamanho, né?

O cidadão para ser considerado moderno tem que seguir uma cartilha com posições predefinidas, você não pode fugir de nenhum dos itens da cartilha sob pena de ser considerado inimigo da causa ou um reacionário. Mas me digam uma coisa, existe algo mais reacionário, autoritário e retrogrado do que se padronizar comportamentos? Como podemos avançar socialmente sem o livre-pensar? Sem o contraditório?

As pessoas de bem precisam dizer que não aceitam as patrulhas de nenhuma espécie. Que luta é por uma sociedade livre onde os direitos de todos sejam respeitados e garantidos.

Abdon Marinho é advogado eleitoral.

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