O Ministério da Justiça do governo Lula usou um parecer da gestão Jair Bolsonaro (PL) para manter sob sigilo relatórios de inteligência produzidos ao longo das manifestações iniciadas em junho de 2013, durante a Presidência de Dilma Rousseff (PT).
O parecer utilizado pela pasta de Flávio Dino (PSB) para impedir o acesso aos documentos já havia sido revogado pela CGU (Controladoria Geral da União) no início do ano, quando reviu os sigilos impostos na gestão Bolsonaro.
O órgão de controle determinou na última sexta-feira (1º) que o ministério disponibilize os documentos em até um mês.
O posicionamento foi dado no pedido feito pela Folha, com base na Lei de Acesso à Informação, de divulgação de relatórios sobre “tensões sociais” produzidos no período das manifestações ao longo de 2013.
O sigilo imposto aos documentos (grau reservado) expirou em 2018, mas Dino negou acesso a eles sob argumento de que não há prazo para publicidade dos papéis por se tratar de atividades de inteligência.
Ao rejeitar a liberação dos documentos pedidos, ele usou como base a lei que criou o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin).
Em um de seus artigos, a legislação afirma ser responsabilidade dos seus integrantes a “salvaguarda da informação contra o acesso de pessoas ou órgãos não autorizados”, sem indicar nenhum prazo para o fim do sigilo dos documentos produzidos.
Em recurso apresentado em maio, a Folha apontou para a possibilidade de sigilo eterno dos papéis de inteligência, fonte importante para analisar a atuação das forças policiais em períodos históricos, como a própria ditadura militar.
O coordenador-geral de inteligência do ministério, Carlos Sobral, concordou na ocasião com “a legitimidade e a relevância do questionamento” e encaminhou solicitação à consultoria jurídica da pasta da Justiça para avaliação.
À CGU o Ministério da Justiça afirmou que a consulta não foi concluída porque Dino se manifestou de forma contrária à publicidade dos documentos.
A pasta então usou como argumento um precedente da CGU de 2019, do período de Bolsonaro, no qual decide não disponibilizar relatórios de inteligência sob a mesma interpretação da legislação do Sisbin.
A Controladoria, porém, discordou do posicionamento do ministério.
A CGU apontou que o precedente usado pela pasta da Justiça havia sido revertido na revisão dos sigilos determinados por Lula em seu primeiro dia de governo. Afirmou também que, ao longo deste ano, emitiu enunciado determinando que todos os documentos com prazo de sigilo expirado devem ser disponibilizados.
“Compreende-se a cautela do órgão recorrido, no que se refere à abertura dos documentos, no presente caso, pois além de serem documentos desclassificados, estes tratam de atividades de inteligência”, diz a decisão da CGU.
“Ocorre que o sigilo em face de documentos públicos não pode ser eterno, uma vez que essa situação subverte o princípio norteador da LAI de que o sigilo é temporário e perdura apenas durante o prazo das respectivas classificações.”
A CGU determinou a entrega dos documentos, autorizando a ocultação por meio de tarjas de “trechos que exponham os métodos, os procedimentos, as técnicas, as fontes e os recursos humanos de inteligência e restringindo as informações protegidas por sigilos legais autônomos, tais como: dados pessoais, bancários, segredos comerciais, industriais”.
Os papéis sobre as manifestações integram uma lista de documentos considerados desclassificados (com prazo de sigilo esgotado) no site do próprio ministério. Eles foram produzidos entre junho e novembro de 2013 e têm como descrição de tema “tensões sociais”.
O primeiro documento do assunto foi produzido, segundo a tabela, no dia 4 de junho, dois dias antes da primeira grande manifestação do MPL (Movimento Passe Livre), quando os atos ainda não haviam se espalhado pelo país.
A escalada de manifestações é reproduzida na intensificação na produção dos papéis. Novos relatórios de inteligência foram elaborados nos dias 7, 10, 18 e 27 de junho. Ao longo de julho, outros quatro informes foram produzidos, seguidos de um em agosto, dois em outubro e um em novembro.
Todos aparecem como reservados e com prazo final de restrição de acesso em 2018. O período de sigilo é definido pela autoridade responsável pela produção do documento. A Lei de Acesso à Informação permite a classificação por até 25 anos, no caso de documentos ultrassecretos.
Folha de São Paulo