Por Abdon Marinho
Acho que fica em 1987. O então presidente da República, José Sarney, visitava o Rio de Janeiro, compromissos oficiais, obras, etc. Em um dos trajetos uma manifestação organizada pelo Partido dos Trabalhadores – PT, Partido Democrático Trabalhista – PDT, Central Única dos Trabalhadores – CUT e outros movimentos sociais, atacaram com paus e pedras o ônibus que conduzia o presidente e sua comitiva. Os manifestantes protestavam contra as políticas do governo e bradavam o FORA SARNEY!
Pois é, há apenas dois anos do fim do círculo militar que durara vinte e um anos, militantes partidários protestavam contra o governo – até fazendo uso da violência –, e ninguém ousava dizer que pregavam o golpe ou, por vias transversas, o estimulava ao pedirem a renúncia, a cassação ou o impedimento do presidente.
Está bem, dirão que Sarney não fora eleito pelo povo e sim como vice-presidente de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. Acontece que este tipo de eleição era a prevista na Constituição de então. Ainda assim era um presidente da República. Seu afastamento – por qualquer – razão representaria um risco a consolidação das instituições. Sem perder de vista que o Regime Militar poderia voltar numa situação de risco ou de vazio de poder.
As lideranças políticas do PT, PDT e CUT não entendiam assim. Estava em curso uma manifestação legítima, ainda que violenta, contra o usurpador Sarney, que se danasse as instituições ou a possibilidade de retorno dos militares ao poder.
Em 1992, os mesmos partidos, juntamente com dezenas de outras organizações estavam na linha de frente das manifestações que pediam o FORA COLLOR!
As manifestações serviram de combustível ao processo de impeachment que o primeiro presidente da República eleito diretamente pelo povo, sofreu. A Câmara dos Deputados recebeu a denúncia formulada pela Associação Brasileira de Imprensa – ABI e pela Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, afastou o presidente que dois meses depois era julgado pelo Senado da República e cassado o mandato. Abrindo lugar para o vice-presidente Itamar Franco que concluiu o mandato para os quais foram eleitos em 1989.
Estes partidos, entidades, associações e a sociedade em geral, praticaram golpe contra Collor? Colocaram em risco a democracia? As instituições?
No governo de Fernando Henrique Cardoso, que sucedeu a Itamar Franco, eram comuns manifestações dos partidos de oposição, principalmente do Partido dos trabalhadores – PT, pedindo a saída presidente, sua cassação, seu impedimento, confeccionaram até adesivos para carros e produziram diversos materiais com a marca FORA FHC!
Estas manifestações eram golpistas, antidemocrática, contra a ordem institucional? Eram um apelo para que o país caísse no abismo? Voltasse ao comando dos militares?
Claro que não. Na opinião de todos estes partidos políticos e organizações, eram todas manifestações democráticas que fortaleciam a democracia.
Agora, alguém diz que atual presidente é feia e seus partidos aliados (os mesmos que estavam gritando fora para todos os presidentes antes dela), passam a dizer que se trata de um golpe, que a sociedade não pode falar em impeachment da presidente, que são direitistas, que querem a volta da ditadura, dos tempos sombrios, do fim das liberdades individuais e fundamentais dos cidadãos brasileiros.
Tem algo fora do lugar. Só agora protestar é antidemocrático? Golpista?
A presidente superou, em impopularidade, dois ex-campeões da categoria: Sarney e Collor. Apenas 8 porcento (oito por cento), dizem que seu governo é bom ou ótimo, 20 porcento (vinte por cento) que é regular e o restante que é ruim ou péssimo.
Esta imensa maioria, segundo os nossos sábios, não podem protestar ou pedir, dentro da lei e de forma pacífica, que a presidente seja afastada, sofra processo de cassação, simplesmente, gritar, como outrora podia: FORA DILMA!
Se fizerem isso são golpistas, militaristas, defensores da ditadura. Ainda mais, quando a população, com razão, se sente enganada pela presidente e por seu partido, que fizeram o oposto do que prometeram à população no processo eleitoral.
Ora, então a opinião da larga maioria de nada vale numa democracia? Vivemos uma ditadura da minoria.
Vejam bem, não estou aqui defendendo o processo de impeachment em si. Antes disso, defendo o direito da sociedade – que todas as pesquisas informam ser a grande maioria –, de protestarem, de pedirem o afastamento da presidente ou de quem quiser, sem ser tachada de reacionária.
O direito de protestar é uma das nossas conquistas.
O impedimento, caso venha, também não é motivo de alarme ou de sepultamento da democracia e das instituições.
Não é.
Pelo contrário é a prova cabal que as instituições estão em regular funcionamento.
O que temos que garantir é que tudo que venha ocorrer, aconteça dentro das balizas da Constituição e da lei.
O ordenamento jurídico pátrio, todos sabem, possuem regras disciplinando como deve e quando dever ocorrer o impedimento do governante. Basta seguir, como já fizemos na noutra oportunidade, sem que o mundo viesse abaixo.
A Constituição no artigo 79 trás a possibilidade de substituição por impedimento e sucessão: “Art. 79. Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder- lhe-á, no de vaga, o Vice-Presidente.”
Não existe palavras inúteis na lei. Se consta a possibilidade de impedimento e sucessão no curso do mandato, não passa de tolice a argumentação que o eleito tem que completar o mandato para o qual foi eleito. O vice-presidente não é eleito só para a eventualidade de ocorrer uma morte no curso mandato.
Defender que um governo, que possa haver cometido os delitos, de que trata a Constituição, ao argumento de que isso levará o país ao caos, ao golpe, a instabilidade, não passa de uma tolice e de um desserviço à nação.
Abdon Marinho é advogado.