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Guardas deveriam assumir a missão de registro de acidentes sem vitimas

Por Milton Corrêa da Costa

Toda nova norma, que altera uma rotina de procedimento, quanto mais quando se trata de uma medida implantada pelo poder público, é natural que no início gere polêmica, mormente quando se trata de acidentes de trânsito onde, geralmente, cada uma das partes envolvidas no fato tem a sua versão da verdade quanto a dinâmica do evento e o outro é sempre o culpado. Extremamente oportuna e de há muito necessária, portanto, a questão levantada pelo comandante-geral da PM do Rio, coronel Erir Ribeiro da Costa Filho, quanto a adoção de medidas – há dúvidas se esta é a melhor solução- que visem possibilitar a liberação, a partir de agora,  do comparecimento de policiais militares a locais de acidentes de trânsito sem vítimas onde, para confecção do registro do Boletim de Registro de Acidente de Trânsito (BRAT), a iniciativa agora passa para as partes interessadas.
 
É fato público e notório que policiais militares  deixam muitas vezes de cumprir a missão constitucional da polícia ostensiva, patrulhando as vias públicas,  para ficar empenhados, por longos períodos, com a atenção voltada exclusivamente para atender tais ocorrências de acidentes de trânsito, muitos de pequena monta, onde, dependendo da via e o horário que ocorram, causam incômodos e gigantescos engarrafamentos de trânsito. O próprio descuido natural com a integridade física do agente, com o que se passa na via, voltado para o registro do fato, fica evidente em tais ocorrências, quanto mais num ambiente de violenta guerra urbana que vivenciamos, em que nossos policiais são sempre vítimas em potencial do elemento surpresa de que se utilizam  perigosos marginais da lei.

Uma matéria publicada no Jornal O GLOBO, de 16/10, detectou que a Polícia Militar do Rio, somente no primeiro semestre deste ano, fez o relato de mais de 50 mil Boletins de Registro de Acidentes de Trânsito (BRAT),  sem vítima, em todo o Estado, numa média (pasmem) de 277 por dia. De 1o de outubro de 2010 a 30 de outubro deste ano a PM registrou mais de 717 mil ocorrências. Desse total, cerca de 100 mil foram acidentes de trânsito sem vítimas. A Polícia Rodoviária Federal, ainda que seja uma de suas missões precípuas, somente em 2011, ataé 1o de julho, registrou um total de 10.427 acidentes. Destes, 7.716 ( 74%) foram sem vítimas. O que significa concluir que, acrescidos aos acidentes com vítimas, a problemática ainda é muito maior, muitas vezes em acidentes de grande monta, com mortos e feridos em estado grave, o que demanda mais tempo no desenrolar de toda a ocorrência. Deixa-se de patrulhar a via pública com mais efetividade, mormente no caso da Polícia Militar, e proporcionar maior sensação de segurança à população, para atender, invariavelmente, a imprudência de condutores de veículos envolvidos em acidentes. Isso é fato real que obviamente requer uma urgente solução do impasse.

Entretanto, a nova medida tomada pela PM do Rio, para que as partes interessadas, em casos de acidentes sem vítimas, compareçam ao Batalhão, cabine, posto de policiamento e mesmo a patrulhas da PM  mais próximas, para registro do fato, inclusive juntando fotografia do local e apresentando testemunhas, se possível, precisa ser analisada com cautela face a possíveis implicações jurídicas futuras que poderão advir do acidente, uma vez que o caso envolve crime de dano privado ou mesmo ao patrimônio público das vias  ou ainda ao próprio meio ambiente em alguns casos, sem falar no ressarcimento dos sinistros pela seguradoras, observado o fato de que muitas vezes o BRAT é o único documento legal existente para que o judiciário analise o caso e proceda a sua decisão. O relato, por exemplo, somente de uma das partes interessadas, pode não ser a expressão da verdade, da dinâmica e circunstâncias de como o evento se deu. 

Há que se considerar que na prática as vezes a teoria é outra. Suponhamos que um condutor que momentos antes ingeriu certa quantidade de bebida alcoólica e envolvendo-se em acidente de trânsito, temendo as penalidades da Lei Seca, mesmo que não seja o culpado pelo acidente, abandone o local do fato e somente após passar a dosagem de alcoolemia no organismo resolva comparecer à Unidade da PM para registro do fato e contar a sua verdade. No entanto, a outra parte interessada tendo comparecido anteriormente ao Batalhão já havia efetivado a confecção do BRAT. A pergunta é: será confeccionado um novo registro de acidente, um aditamento com o depoimento desta outra parte ou terá perdido o direito de relatar a sua verdade? E no caso, por exemplo, de um acidente em que o proprietário do veículo, durante uma madrugada, em local ermo, sem dinheiro ou sem direito a um serviço de reboque, se preocupe mais, momentaneamente, com o seu bem material do que com o registro do fato? Terá direito a relatar, assim que possível, a sua verdade, mesmo que sobre o fato a outra parte já tenha consignado o BRAT em Unidade da PM?

Assim é que, a meu ver, a presença  do agente da autoridade, no local do evento, com a sua fé-pública conferida por lei, é fundamental, dando maior legalidade ao ato, elaborando este o Boletim de Registro de Acidente, com a descrição mediante relato das partes e inserindo no documento, no campo próprio a dinâmica do evento com croquis inclusive com as avarias observada in loco. Registre-se que os guardas municipais, agentes da autoridade,  detém competência na matéria face ao poder de polícia de trânsito conferido ao município, conforme o disposto no Artigo 24, inciso VI, observado ainda o disposto 280, parágrafo 4º, tudo do Código de Trânsito Brasileiro. Vide ainda o disposto na Lei Estadual 5884/11 que confere ao municípios o poder de lavratura dos Boletins de Registro de Acidentes de Trânsito sem vítimas, onde a Guarda Municipal do Rio já confeccionou, desde 2009, 2.646 boletins respectivos.

Não custa relembrar aos agentes de trânsito, PMs e guardas municipais,–muitos desconhecem- o dispositivo previsto na Lei Federal 5970, de 11 de dezembro de 1973, que alterou dispositivos do Código de Processo Penal, em seus artigos 6º e 169, quanto a necessidade de preservação de locais de crime em casos de acidentes de trânsito, com ou sem vítimas. A Lei 5970/73 estabelece, em seu artigo primeiro que “em caso de acidente de trânsito, a autoridade ou agente policial que primeiro tomar conhecimento do fato poderá autorizar, independentemente de exame do local, a imediata remoção das pessoas que tenham sofrido lesão, bem como dos veículos nele envolvidos, se estiverem no leito da via pública e prejudicarem o tráfego”. Parágrafo único: para autorizar a remoção, a autoridade ou agente policial lavrará boletim da ocorrência, nele consignado o fato, as testemunhas que o presenciaram e todas as demais circunstâncias necessárias ao esclarecimento da verdade”. Note-se que a lei fala em registro pela autoridade ou seu agente ( poder público) que primeiro chegar ao local, o que se depreende da necessidade do comparecimento no mínimo do agente ao local do sinistro.

Portanto é perfeitamente necessária a proposta do comando da PM do Rio, para liberar seus integrantes para a missão precípua de polícia ostensiva, bastando para tal que as Guardas Municipais assumam tal tarefa, desde que disponham de estrutura suficiente para o patrulhamento e fiscalização de trânsito no âmbito de cada município, efetuando, in loco, a lavratura dos registros de acidentes de trânsito sem vítimas, onde não há crime contra a vida e tão somente contra o patrimônio. Aos motoristas fica o lembrete que (Art 178 do CTB) constitui infração de trânsito “deixar o condutor, envolvido em acidente, de adotar providências para remover o veículo do local, quando necessária tal medida para assegurar a segurança e a fluidez de trânsito”.

Aos motoristas imprudentes fica o lembrete de que o trânsito é meio de vida. Não de morte, dor, tragédias e sofrimento. No país, em 2010, , segundo dados do Ministério da Saúde, sujeitos a revisão, tornados públicos em novembro último, 40.610 pessoas -um Estádio do Engenhão, no Rio, com sua capacidade plena- morreram em acidentes de trânsito no Brasil. Um acréscimo de 8% em relação ao ano anterior.  Os óbitos em acidentes, envolvendo motos, subiram de 3.744, em 2002, para 10.143 no ano passado. Uma grave epidemia social sem aparente solução, fruto, em sua maior parte, da imprudência e insensatez do motorista brasileiro. Infelizmente, na bárbarie do trânsito brasileiro, ainda é preciso punir para reeducar.
                                 
Milton Corrêa da Costa
Costa é coronel da reserva da PM do Rio de Janeiro

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