Por Abdon Marinho
Ontem, numa conversa banal com meu sobrinho fiz uma reflexão. Assistia a um desses desses programas policiais quando ele chegou e disse: “pô tio muda de canal, aí só passa notícia ruim”. Respondi-lhe: “meu filho, o fato de não assistirmos as notícias ruins não as impede de acontecer”. Mas mudei o canal e a conversa seguiu noutro rumo. Acordei lembrando disso. Parece que vivemos num mundo onde as pessoas preferem ignorar a realidade dura e cruel e seguir em frente como se nada tivesse acontecido.
Uma das maiores tragédias da história recente do Maranhão foi a morte de nove trabalhadores maranhenses numa obra no estado de São Paulo. Aconteceu semana passada, o último dos cadáveres foi sepultado ontem. Exceto pela dor lancinante que deve corroer ainda suas famílias, ninguém mais lembra, pior, ninguém quer lembrar.
O título deste post é “inevitável ‘vidas secas'”, porque vi na tragédia os traços da obra de Graciliano Ramos. Trabalhadores que saem do campo em busca de melhores condições de vida e de trabalho na cidade grande. O roteiro é praticamente o mesmo. A diferença é que esses não saíram tangidos de seca e sim pela miséria, pelo desalento, pela falta de perspectiva. A diferença é que apesar disso, eles não pretenderam deixar suas raízes, vão em busca de recursos, mas com intenção de voltar para o seio de suas famílias.
Imagino aqui que se conheceram no lugar da tragédia, pois salvo um ou outro, eram de municípios diferentes, Imperatriz, Mirador, Barra do Corda, Joselândia. Uma tragédia os uniu no fim da vida, outra tragédia bem maior os uniu durante a vida: a tragédia de terem nascido e vivido no Maranhão.
As pessoas não se dão conta, exceto pelo discurso superficial de atribuir ao atual governo a responsabilidade pelo fato, talvez seja, a atual governante dirige o estado há quase 16 anos, somados com seus aliados, já somam um bom período. Mas a questão é mais profunda, a responsabilidade é mais extensa. A impressão que tenho é que o Maranhão perdeu o bonde da história.
Vejam só essa última tragédia de agosto. Dos dez que morreram, nove eram maranhenses. Apenas um era do vizinho estado do Tocantins. Dirão é normal, o nordeste é historicamente exportador de mão-de-obra para sudeste do Brasil, para São Paulo, propriamente.
Os dados confirmam isso. O IBGE divulgou um relatório onde diz que o Maranhão é o segundo estado de onde mais se migra pessoas, só perdendo para a Bahia. Viram o Maranhão nem é o estado de onde mais se migra é o segundo? Acontece, cara-pálida que Maranhão não era para sofrer os efeitos das secas como os demais estados nordestinos, o Maranhão possui insondáveis recursos hídricos, possui rios perenes (aqui cabe ressalvar que estão matando essa riqueza que Deus no deu), o solo deste extenso estado é apropriado e propício a diversas culturas.
O Maranhão não pode ser analisado com a frieza dos dados do IBGE. Não se pode dizer que está média dos demais estados nordestinos. Digo isso por razão simples: o Maranhão já foi terra prometida dos demais estados nordestinos castigados pela seca. Digo isso por experiência própria, minha família veio do Rio Grande do Norte como flagelados da seca do começo dos anos 60. O Maranhão era a terra da esperança. Era a terra para onde vinha as pessoas que já tinham perdido tudo. Para mim, não faz sentido que seja o segundo estado em número de migrantes.
A corja de oportunistas, desmemoriados ou ignorantes não conseguem fazer essa leitura. A leitura que saímos de uma terra de esperança para uma terra que exporta mão-de-obra. Mais que isso, para humilhante estatística de ser o segundo estado do nordeste que mais faz isso.
O Maranhão virou um estado pobre? Não, o Maranhão não virou um estado pobre. A capital possui os Shopping center dos mais vistosos do Brasil, lojas de todas as marcas famosas do mundo, lojas de carros de luxo, prédios de alto padrão e o metro quadrado dos mais caros. Acontece que isso é para todo, distribuíram a miséria e concentraram a riqueza. Foi isso que fizemos. Um modelo de desenvolvimento que privilegia os ricos e distribui esmolas aos miseráveis. O exemplo deste descompasso vi outro dia numa das nossa avenidas: um carro de altíssimo luxo tentando ultrapassar uma carroça que era puxada por um jumento. Não pude deixar de ri da cena que para muitos pareceria normal.
Assim tem sido o modelo de desenvolvimento do nosso estado: de um lado uma minoria como carrões, helicópteros, apartamentos de alto luxo do outro as carroças, a miséria, a exportação de trabalhadores, o trabalho escravo. Quem não lembra que outro dia mesmo, numa obra do festejo junino foi embargada porque os trabalhadores da empresa amiga que montava as barracas, usava trabalhadores em condições análoga a de escravos? Pois é, o tempo passou e acabou ficando o dito pelo não dito.
Encerro dizendo que o Maranhão já foi a terra da esperança, para cá veio toda a minha família fugindo da seca, hoje o Maranhão ao invés de atrair pessoas exporta seus filhos. A tragédia dos nove trabalhadores mortos em São Paulo não é a tragédia apenas de suas famílias, é a tragédia de um estado inteiro.
Quando se soube da extensão da tragédia o governo do estado expediu nota de pesar e solidariedade as famílias. Um gesto nobre e louvável, mas talvez muito mais proveitoso se viesse junto com um pedido de desculpas. Ontem o jornal da TV mirante noticiou que o último dos jovens trabalhadores foi sepultado, deixava para trás a vida e uma esposa, grávida de dois meses. Graciliano Ramos, com seu ficcionismo, não produziria tragédia maior que a nossa realidade.
Não pensar nisso, não discutir isso, não impede que isso deixe de acontecer, infelizmente.
Abdon Marinho é advogado eleitoral.
Ótimo texto!