Do Estadão
Uma tempestade de investigações sobre venda de sentenças e corrupção assolou, neste segundo semestre, seis tribunais estaduais em três regiões do País, acendendo um alerta até em gabinetes do Superior Tribunal de Justiça (STJ). As apurações levaram ao afastamento de 16 desembargadores, sete juízes – inclusive com uma prisão e a imposição de tornozeleira a seis deles – e quatro servidores do STJ, dois dos quais estão afastados. A Polícia Federal (PF) investiga suposta corrupção em processos milionários que envolvem desde disputa de terras até a ação criminal de um narcotraficante internacional.
As investigações se encontram em diferentes estágios. Em uma delas, já foi apresentada denúncia do Ministério Público, atingindo dois juízes. Em outra, a Polícia Federal indiciou um desembargador. O Estadão procurou todos os magistrados investigados. Eles negam envolvimento com ilícitos. A reportagem busca contato com lobistas, advogados e outros citados nos inquéritos. O espaço está aberto para manifestações.
Os tribunais sobre os quais pairam suspeitas da PF são os dos Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, São Paulo, Espírito Santo e Maranhão. Também são investigadas ramificações de um grande esquema desbaratado na Bahia há alguns anos, na esteira da Operação Faroeste.
A PF ainda investiga possíveis elos entre os esquemas investigados nos Estados. Há nomes que ligam as diferentes investigações, em especial de advogados apontados como lobistas de sentenças. Juízes de primeiro grau e desembargadores estão na mira do STJ e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A lista de crimes investigados é extensa: corrupção, lavagem de dinheiro, fraude processual, falsidade documental, extorsão, falsificação de documento público, peculato, exploração de prestígio e organização criminosa.
Os indícios de que tentáculos dos esquemas de venda de decisões judiciais podem ter alcançado o STJ partiram das investigações sobre integrantes dos tribunais de Justiça de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul – ligadas, como mostrou o Estadão, por dois lobistas de sentenças, um deles assassinado no ano passado. A Corte superior investiga quatro servidores no caso – dois deles já afastados – e nega veementemente o envolvimento de ministros.
A citação ao STJ fez com que o caso fosse levado ao gabinete do ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF). O procurador-geral da República, Paulo Gonet, pediu que a investigação fique sob a alçada da Corte máxima para verificar se há ou não o envolvimento de algum ministro do STJ com o caso. A ideia é a de que quaisquer suspeitas sejam dirimidas já no Supremo, inclusive para evitar eventuais argumentos de nulidade dos inquéritos.
Enquanto Zanin não dá a palavra final sobre a continuação das investigações no STF, as demais investigações sobre desembargadores têm sequência.
As principais investigações miram três tribunais (MT, MS e TO), os mesmos que lideram a lista das Cortes que mais gastaram com seus desembargadores e juízes no ano passado, conforme levantamento do Conselho Nacional de Justiça. Outras Cortes também já enfrentaram investigações da PF. As ofensivas abertas nos últimos meses fizeram diligências em 11 Estados e no Distrito Federal. As investigações miram, além dos magistrados, outras 86 pessoas, entre desembargadores aposentados, advogados, servidores do Judiciário, ex-procuradores de Justiça e até um governador.
No Maranhão, a capa do inquérito não traz a marca de venda de sentenças, mas apura suposta corrupção de seis magistrados em razão da liberação de alvarás em prejuízo do Banco do Nordeste, que contribuiu com as investigações. A corporação estima que o esquema causou um prejuízo de R$ 17 milhões à instituição financeira. Também foi identificada uma tentativa de nova suposta fraude, a qual teria o potencial levar o banco a ter um rombo de R$ 29 milhões.
Crimes investigados – Corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Provas – Inquérito tem como base uma sindicância aberta com base em relatórios de inteligência financeira sobre transações suspeitas e movimentações atípicas de levantamento de alvarás em processos judiciais possivelmente fraudulentos em prejuízo Banco do Nordeste envolvendo decisões judiciais tidas como suspeitas.
Processos sob suspeita – Os federais investigam a ação do grupo em duas demandas de grande valor. Um deles referente ao levantamento de alvará de R$ 14 milhões, o outro um alvará de R$ 4,8 milhões. A agilidade dos magistrados neste segundo caso levou a PF a batizar a Operação 18 Minutos, exatamente esse o tempo que se passou entre a liberação do alvará e o saque.
Personagem-chave – Ex-advogado do Banco – cujo nome não foi divulgado, mas carrega a sigla F.X. de S.F. – que entrava na Justiça com pedido de pagamento de honorários até em ações nas quais que ele não trabalhado.
Pontos de destaque do inquérito
O processo no qual teria havido fraude, segundo a PF, foi aberto em 1987, com valor arbitrado de 8,1 bilhões de cruzeiros – a moeda da época (governo Sarney). Os federais investigam se o dinheiro desviado teria sido distribuído entre os magistrados supostamente envolvidos no caso, por meio de quase 200 depósitos fracionados em espécie.
A investigação aponta supostas fraudes processuais como a manipulação de ações, cálculos de correção monetária injustificados ou inexistentes e até “celeridade seletiva”.