Por Milton Corrêa da Costa
Passados três anos e meio da entrada em vigor, em território nacional, da Lei 11705/08, a chamada Lei Seca, rígida norma que alterou o comportamento de motoristas no trânsito brasileiro, ela vem se mostrando cada vez mais democrática e igualitária para todos. Não distingue gregos e troianos. Os rigores da Lei Seca, num país onde burlar as leis é sempre rotina e mau exemplo, continua surpreendendo os que a descumprem e são pegos em operações de fiscalização de trânsito, gerando o infracionamento de inúmeros condutores, aí incluídos algumas autoridades e celebridades, ainda que a recusa de submissão ao teste do bafômetro venha também se tornando uma regra, como um caso ocorrido, no último final de semana, na Zona Sul do Rio, envolvendo um deputado estadual que recusou-se ao etiloteste sendo, no entanto, infracionado na forma da lei. No país em que a lei nem sempre é igual para todos, pelo menos, perante a Lei Seca, fugindo à regra geral, todos são tratados igualmente.
Políticos de renome, autoridades governamentais, como o caso de um subsecretário de estado do Rio de Janeiro -alcoolizado ao volante praticou homicídio- celebridades, artistas, cantores, apresentadores de TV, famosos jogadores de futebol e até magistrados já foram incursos nas penalidades previstas pela dura lei. É bom que se frise que o pressuposto jurídico, consubstanciado no Pacto de São José da Costa Rica, de que “ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo”, não tem prevalecido até em decisões do próprio Poder Judiciário. O legislador previu, contra tal argumento, na elaboração da Lei 11705/ O8, que alterou dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro, o prescrito no Artigo 277, parágrafo terceiro, ao estabelecer: “Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no Artigo 165 (dirigir sob a influência de álcool ou substância psicoativa que determine dependência) ao condutor que se RECUSAR a se submeter a qualquer dos procedimento previstos no caput do Artigo 277”.
Vale esclarecer que são os seguintes os diferentes procedimentos de comprovação da direção alcoolizada: etiloteste ( bafômetro), exame de sangue, exame médico-pericial (auto de exame de embriaguez); teste da saliva (ainda não aplicado em território nacional), outros exames técnicos-científicos e a própria prova testemunhal, conforme prevista no parágrafo segundo do Artigo 277 do CTB ( redação dada pela Lei Seca), detectada e relatada pelos agentes e autoridades de trânsito através dos notórios sinais de embriaguez apresentados condutor, quais sejam: a fala desarticulada, o hálito etílico, o andar trôpego e descoordenado, as roupas em desalinho, o comportamento exaltado, o estado de torpor, hiperagressividade, etc, etc…
É bom frisar que de acordo com o estabelecido no Decreto Federal 6488/08, que regulamentou a Lei Seca, foram determinados os limites de dosagem alcoólica para o condutor, tanto para caracterização da infração ( Artigo 165) quanto para o crime de dirigir sob a influência de álcool. A margem de tolerância para a infração administrativa é de dois decigramas de álcool por litro de sangue, o equivalente, no teste do bafômetro, a 0,1 mg de álcool por litro de ar expelido dos pulmões. Por outro lado, o citado decreto estabelece que a concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool ou 0,3mg acusados no bafômetro, configura a infração penal estabelecida no Artigo 306 do CTB, que prevê pena de detenção de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Para quem comete simplesmente a infração a lei prevê as penalidades de multa (R$ 957,70), SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR PELO PRAZO DE 12 MESES, além de frequência obrigatória a curso de reciclagem de motoristas infratores, cuja norma específica do CONTRAN estabelece uma carga horária de 30 horas/aula, compreendendo o seguinte conteúdo programático: Legislação de Trânsito (12 horas); Direção Defensiva (8 horas); Noções de Primeiros Socorros (4 horas); e Relacionamento Interpessoal (6 horas).
O médico José Mauro Braz Lima, professor da UFRJ, em sua obra científica (2003) “Alcoologia – uma visão sistêmica dos problemas relacionados ao uso do álcool”, explica que uma dose padrão de 300 ml de cerveja atinge, em média, no organismo humano, a taxa de teor alcoólico da ordem de dois decigramas por litro de sangue ou 0,1 mg por litro de ar expelido dos pulmões.. Uma dose de vinho. de 150ml ou uma de uísque de 40 ml, também atingem a dosagem de dois decigramas. O estudioso afirma ainda que a concentração de 4 a 6 dg ou 0,2 a 0,3 mg no bafômetro é suficiente para duplicar o risco de acidentes. De 6 a 10 decigramas ou 0,3 a 0,5 mg o risco de acidentes triplica. Braz Lima esclarece que a presença de álcool na corrente sanguínea exige do motorista maior tempo para avaliar as situações de trânsito, mesmo as mais corriqueiras.
Aqui vale também recordar uma decisão tomada pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no ano de 2010, que manteve uma ação penal contra um condutor que apresentava sinais claros de alcoolemia e foi flagrado numa fiscalização de trânsito em Mato Grosso, onde no momento havia sequer o bafômetro. No entendimento dos ministros a autoridade e seus agentes têm autonomia para relatar a embriaguez. Ou seja, não é necessário que se estabeleça nem a dosagem alcoólica mínima de 6 dg de álcool para o enquadramento do infrator nas penas do Artigo 306 do CTB. Por analogia, comprovada o estado de embriaguez do condutor, em auto de exame próprio (exame médico-pericial) também poderá ser enquadrado pelo crime. Aquela turma do STJ fez apenas fez corroborar o já previsto na Lei Seca: a prova testemunhal pelos sinais da alcoolemia.
Dito isto, convém ter em mente que a recusa à submissão ao teste do bafômetro depõe contra o próprio condutor. Quem cumpre a lei, está ao volante e não bebeu, nada tem a temer. É cristalino, na jurispudência de tribunais do mundo, o entendimento de que o direito individual não pode sobrepujar-se ao interesse (maior) coletivo, que na Lei Seca tem por finalidade a incolumidade dos usuários da via pública, a do próprio condutor, a segurança de trânsito e sobretudo a defesa da vida, finalidade maior do Código de Trânsito Brasileiro. Não importa se você sempre bebeu, dirigiu e nunca bateu. Isso não o torna imune a ser a próxima vítima de um alcoolizado do volante. A Lei 11705/08 surgiu para prevenir tragédias.
Milton Corrêa da Costa
Coronel da reserva da PM do Rio de Janeiro
Temos é saudades daquele tempo que a PMMA com sua Companhia Rodoviária(CPRV Ind), fazia operações nas saídas de praia e nas madrugadas de balada, retirando os bebuns do volante e rebocando carros às dezenas. Isso sim era um TRABALHO bem feito e que salvava muitas vidas!!!
Hoje, nada disso mais vemos.. aliás com esse comando da PM , nada vemos há muito tempo, apenas denúncias e mais denúncias de favoritismos e improbidades.