Por Milton Corrêa da Costa
Algumas autoridades, que ainda se escoram no célebre jargão: (”Sabe com quem está falando?”) têm dado causa a episódios desagradáveis durante a realização das Operações Lei Seca onde quer que se efetuem, em rodovias ou em vias urbanas. Não só pela infringência às regras da Lei Seca, mas também por outras infrações ao Código de Trânsito Brasileiro. Que ninguém é obrigado a soprar o bafômetro isso é ponto pacífico, ainda que a lei estabeleça as mesmas penalidades para quem recusa daquele que ultrapassa o limite de tolerância de dosagem alcoólica prevista no Decreto Federal 6488/08: 2 decigramas de álcool por litro de sangue o que equivale, no bafômetro a 0,1 mg de álcool por litro de ar expelido dos pulmões.
Em fevereiro do ano passado, no Rio, uma fiel fiscal da lei de trânsito, no exercício de sua missão, ao verificar que o condutor do veículo, um juiz de direito, não portava documento de porte obrigatório (Carteira Nacional de Habilitação), encontrando-se ainda o magistrado com o veículo que conduzia sem as placas de identificação, tendo extrapolado o prazo previsto em lei para fixação das referidas placas, manteve-se a citada agente firme em sua decisão legal de lavrar prontamente os respectivos autos de infração, em razão da flagrante infringência a dispositivos do CTB.
A citada autoridade judiciária, alegando abuso de poder, sentiu-se, no entanto, em razão de sua função (não encontrava-se no exercício dela) desacatado pela agente de trânsito, durante o tenso diálogo travado na via pública, sob a alegação de que a referida agente acabara de infringir o Artigo 331 do Código Penal (crime de desacato). Registre-se, conforme noticiado posteriormente, que o magistrado em questão, no ano 2009, conduzido por veículo que desenvolvia velocidade incompatível em rodovia e com equipamento de giroscópio irregular, também se disse desacatado por um policial rodoviário federal, declarando o agente que o juiz saiu do carro aos berros, relutando em se identificar e o ameaçando até mesmo com o fim de sua carreira pública, ao mencionar que “o colocaria na rua”. A imprensa noticia ainda outros comportamentos polêmicos envolvendo o citado juiz, certamente que não condizentes com o elevado cargo que ocupa.
Na madrugada do último final de semana no Rio, outro fato desagradável, agora envolvendo uma delegada da Polícia Civil, se deu durante a realização da Operação Lei Seca, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, num ponto de fiscalização ali montado. A delegada foi parada na operação e de acordo com um tenente da PM, se recusou a fazer o teste do bafômetro e ainda a teria agredido. No registro de ocorrência, a delegada é acusada de cometer crime de desobediência e desacato, por ter reagido a abordagem do policial durante a blitz. A acusação contra o tenente é de abuso de autoridade e lesão corporal por ter prendido a delegada com algemas
O tenente informou que a delegada estava com a carteira de habilitação vencida desde janeiro de 2011 e o licenciamento do veículo atrasado desde 2009. Além disso, tinha sinais de embriaguez.
— Pedi os documentos, e ela rebateu: “Você sabe com quem está falando?”. Depois jogou o documento que mostrava que era delegada e não quis fazer o teste. Ela tinha claros sinais de que tinha ingerido bebida alcoólica. Estava com os olhos vermelhos, andar cambaleante e hálito etílico afirmou o oficial, que mostrou um arranhão no pescoço.
— Como insisti na fiscalização, ela me empurrou contra o carro, aumentou o tom da voz, se debateu quando tentei acalmá-la (a fotografia estampada na página 14 de ‘O GLOBO’ de 23/01, deixa claro o estado de exaltação da referida autoridade policial). “Para resguardar a mim e a ela, eu a algemei por uns três minutos, e tirei quando ela estava mais tranquila”, disse ainda o tenente. A delegada admitiu estar com o licenciamento atrasado, mas garantiu ter a carteira de habilitação em dia. O Kia Sportage que ela dirigia foi rebocado. — Não ingeri álcool, então não me recusei a soprar o bafômetro. Ele nem ao menos viu meus documentos. Estou ofendida, humilhada, disse.
A realidade é que tais lamentáveis fatos, envolvendo e expondo desnecessariamente autoridades públicas, poderiam ser evitados pelo simples cumprimento da lei de trânsito. Todos, independente do que cargo que detenham ou ocupem, são iguais perante a lei de trânsito. A Lei Seca tem demostrado isso. A cultura do (“Sabe com quem está falando?”) não vale para a norma de trânsito. Autoridades deveriam ser as primeiras a dar o exemplo. Quem cumpre as leis nada tem a temer, quanto mais quem tem o dever funcional de zelar por elas.
Milton Corrêa da Costa
Coronel da reserva da PM do Rio de Janeiro