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Mandela e o texto que não escrevi‏

Por Abdon Marinho.

Abdon Marinho.
Abdon Marinho.

Desde que voltei a rabiscar no papel minhas ideias e concepções sobre o mundo em que vivemos que pensava em escrever sobre Mandela. Ano passado até rabisquei alguma coisa, quando de sua enfermidade. Na quinta-feira, enquanto via o jornal da band, fui surpreendido com a notícia de seu passamento. Embora tal fato não inviabilize o texto, o fato é, que escrito após a morte, torna-se lugar-comum entre tantos outros escritos neste momento de dor.

O texto que não escrevi iria narrar a influência que recebi do líder sul-africano na minha formação política, primeiro como prisioneiro (vendo os mensaleiros se dizerem prisioneiros políticos e comparando a história vê-se o quanto a palavra perdeu seu sentido ou foi apropriada indevidamente), e depois como estadista libertado pelo regime segregacionista (quando vejo os companheiros dizerem que seu companheiro-mor é um estadista, fico pensando o quando a palavra foi deturpada, Mandela após 27 anos de prisão saí da cadeia para fazer a reconciliação nacional, aqui temos em plena democracia, um partido com projeto hegemônico utilizando o aparelho estatal para fazer dossiês contra os adversários, como se denuncia todos os dias).

Se ao ser preso Mandela poderia ter questionado os métodos de luta ao desistir da luta pacifica dos primeiros anos para comandar o braço armado do Congresso Nacional Africano – CNA, ao ser solto, depois de quase três décadas, mostrou toda a grandeza que se espera dos homens que conseguem ter uma dimensão de seu papel histórico, que consegue ir a além dos métodos rasteiros, do revanchismo, da utilização da democracia como arma para destruir a democracia. A postura de Mandela após ser solto com o projeto de conciliação nacional, convencendo negros e brancos a construírem uma grande nação livre do ódio racial.

Foi como militante dos movimentos estudantis nos anos oitenta que travei os primeiros contatos com a causa contra o apartheid, diria que foi a causa que mais me chamou a atenção naqueles anos. Li muito sobre o assunto nos poucos livros que existiam sobre o tema, alguns inclusive, sob a ótica dos partidos políticos nacionais, acompanhei pela TV as manifestações contra o regime segregacionista que ocorriam na naquele país e no resto mundo. A libertação de Mandela no começo de 1990 foi a conseqüência natural de um regime que já não se sustentava. Mandela foi preso como um líder, como tal foi sua vida na prisão, ao ser solto, o foi como um estadista de estatura mundial. Essa foi a razão de haver tanta apreensão e comemoração com o fato naqueles dias anteriores e pós libertação.

No papel de estadista mundial após a libertação sempre se mostrou à altura do papel que lhe reservara a história, respeitou asa regras da democracia e costurou o processo de transição despido dos ódios e dos interesses pessoais, afastou-se daquelas pessoas que não entenderam o que acontecia naqueles dias e anos, inclusive da esposa de então, superou as perdas pessoais que lhe foi impostas ainda enquanto estava preso e habilitou-se à condução da nação como mandatário maior. Num mundo de mesquinharias extremas de de ódios acirrados, soube desempenhar como ninguém o papel de pai da nação sul-africana e pai de um ideal político que rejeitou o revanchismo, revide a aniquilação dos adversários. tornou-se maior que todos. Isso conseguiu pelo exemplo de tolerância e paz.

Alguns críticos, os críticos são sempre bem-vindos, dizem que ainda persiste as desigualdades, que não foi possível garantir a todos a bonança econômica. Ora, era impossível conseguir o que se almeja em apenas duas décadas, mas o primeiro passo foi dado, o passo maior.

Essa foi a influência política que recebi a partir de 1985. Esse exemplo que conduziu meu norte político, principalmente e sobretudo, os exemplos de depois da libertação. Mandela esteve no poder por apenas cinco anos, apenas por um curto período para transição e fez muito mais pelo seu pais e pela humanidade do muitos que se perpetuam no poder.

As homenagens que lhe são prestadas ao redor do mundo, não são indevidas, Mandela foi e é uma inspiração para a humanidade. Essas homenagens, ao menos, para os que compreendem a história deste século dão a dimensão real do que foi essa pessoa extraordinária, não acredito que vejamos mais nesse século bandeiras em meio mastro ao redor do mundo por um estrangeiro. inclusive a americana, essa unanimidade em torno deste luto, é a exceção que justifica a regra.

Quando vejo muitos políticos brasileiros e estrangeiros se arvorarem no papel de estadista e vejo do que são capazes para conquistar e manterem o poder, a incapacidade de inspirarem bons exemplos, penso comigo: “Como são pequenos diante do gigante que foi Madiba”.

Esse seria o texto que não escrevi. Escrito hoje sob a influência das músicas de Lennon.

Abdon C. Marinho.

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