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Neotucanos??

Por Abdon Marinho

Advogado Abdon Marinho.
Advogado Abdon Marinho.

Os mais moços devem lembrar. Durante o governo FHC foi criado o famoso ‘dicionário tucano’, uma sátira gostosa, acredito que idealizada pelo humorista José Simão, mostrando a forma rebuscada e eufemistica que atribuíam aos governantes de então, como por exemplo: Estresse hídrico – falta d’água; Centro de ressocialização – presídio; Orientador de indecisos – boca-de-urna; Leve risco de default – calote; Valor sensibilizado ao débito – facada; Ponto de concentração dos meios externos – estacionamento; Teclado de celular genérico – pirataria, etc. São inúmeros os exemplos do nosso dicionário tucano.Ontem, no rescaldo do “leilão” do campo de libra fiquei com uma “déjá vu”, aquela impressão de já ter visto ou presenciado algo. Todos nós sabemos bem o que é.

Quem não lembra da onda de privatizações daquele governo? E aqui não discuto o mérito, se foi bom ou não para o país.
No presente post apenas trato das contradições que vivemos na segunda.

Começo logo pela nomenclatura que deram ao evento “leilão”. Neste quesito superaram os tucanos, se aqueles apenas usavam de eufemismos, estes mudam o próprio sentido das palavras. O Aurélio, define leilão como sendo “Venda pública de objetos a quem oferecer maior lance; leiloamento, almoeda, arrematação, hasta, praça.” Como podem chamar de leilão se somente tinha um concorrente. No mínimo não houve leilão e sim uma venda direta a qual, diante do volume de recursos naturais envolvidos, não temos parâmetros para saber se houve ou não vantagem para o país. É bem provável que o país, como já aconteceu no passado e que os atuais governantes foram ardorosos e implacáveis críticos, tenha tido prejuízos devido a falta de disputa.

Frustado o leilão, inclusive do ponto vista vocabular, não é concebível um leilão sem disputa, onde os interessados no objeto leiloado façam seus lances, melhor seria que governo esperasse uma outra oportunidade e não corresse a justificar a existência de leilão de um interessado só. Justificar uma impropriedade gramatical. Como diria o colunista José Simão, tucanaram a pechincha. Leilão de um só é “tucanar” a pechincha.

Outra coisa, o nome correto é privatização. Privatizaram o campo de libra como, em governos passados, privatizaram a exploração de minérios e que todos sabemos foi um péssimo negócio para os interesses estratégicos país. Não discuto mérito da privatização, algumas são boas, outras não são, outras atentam contra os interesses nacionais. O que não se deve aceitar é que dê as coisas nomes diferentes dos que elas efetivamente tem.

Vi ministros, outras autoridades e até a presidente falando da excelência do negócio. Usaram até as mesmas palavras tantas vezes ouvidas das autoridades tucanas a quem tanto criticaram. É capaz até que estejam certos, não duvido. O que questiono é a contradição entre o discurso que os levou ao poder e a prática dos dias atuais.

Entendo, e sou bastante tolerante quanto a isso, que qualquer pessoa tem o direito e até o dever de mudar de opinião. Se a situação é diferente a posição também pode e deve ser diferente. Somente os tolos nunca mudam de opinião. Entretanto, as pessoas com o mínimo de honestidade intelectual deve assumir publicamente que está mudando de opinião. Fazer uma autocrítica e assumir que quando discordava estava errada ou que a atual situação exige uma mudança de postura.

Inaceitável é que se mude de posição e diga que aquilo que estamos vendo não é o que estamos vendo. O governo nos trata como se fôssemos bobos. Mais fácil seria, com argumentos e dados justificar o que estão fazendo. Provar (se for possível) que o negócio é vantajoso aos interesses nacionais. Apenas para recordar, não lembro de negócios oriundos das privatizações em que os investidores tenham saído no prejuízo, muito pelo contrário. Todos, todos eles obtiveram e continuam obtendo lucros que nem as atividades ilícitas conseguem.

O estado-mínimo, o liberalismo estatal, tudo mais que o valha é discutível, justificável. O que não é possível é atribuir-se as coisas nomes distintos do elas têm.

(Texto escrito a bordo do trem da Vale S.A., em 23 de outubro de 2013.)

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