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O direito dos autistas ao tratamento multidisciplinar, custeado pelos planos de saúde

Por Edivarney Pacífico

Os pais, no geral, investem prioritariamente no desenvolvimento de seus filhos, independentemente da idade. Mas hoje se sabe que é a infância – fase que, em média, dura até os 10 anos de idade –, sobretudo do nascimento aos 3 anos de idade, a fase de maior desenvolvimento cerebral. Os vínculos formados nesta fase e suas aprendizagens terão um impacto decisivo no desenvolvimento físico-motor (capacidade de crescer e ganhar peso, manipular objetos), no desenvolvimento cognitivo (capacidade de pensar e raciocinar), afetivo-emocional (capacidade de integrar as diversas experiências) e no desenvolvimento social (capacidade de se relacionar com os outros). Daí a importância de se investir nos primeiros anos de vida.

O diagnóstico de autismo, que na linguagem médica é chamado de TEA (Transtorno de Espectro Autista), se caracteriza por se tratar de um transtorno global de desenvolvimento. Em outras palavras, as crianças com autismo possuem comprometimentos qualitativos importantes nas áreas de comunicação, comportamento e interação. Frequentemente, são crianças que apresentam interação social qualitativamente prejudicada, assim como sua capacidade de se comunicar.
Além disso, tendem a ter padrões de comportamentos estereotipados e repetitivos, bem como seus interesses.

E, ao contrário do que muitos podem pensar, os pais de crianças com autismo desejam o mesmo que os pais de crianças que não apresentam esse transtorno: o desenvolvimento dos seus filhos. Diante do exposto, os pais de crianças com autismo precisarão de um esforço ainda maior para que o desenvolvimento de seus filhos ocorra.No geral, a criança com autismo precisará de um longo acompanhamento de uma equipe multidisciplinar.

Equipe essa formada por pediatras, neuropediatras, psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, psicopedagogo, terapeutas ocupacionais, psiquiatra, dentre outros.

Para os pais que têm plano de saúde, as possibilidades de compor uma equipe multidisciplinar para o tratamento de crianças com autismo é muito maior e, financeiramente, menos custosa. Infelizmente, num dos momentos de maior sofrimento e fragilidade dos pais, que é o recebimento do diagnóstico de autismo do seu filho, eles se deparam com os primeiros problemas de atendimento, ou melhor, com a negativa de atendimento das operadoras de planos de saúde. Os pais devem concentrar todos os seus esforços no acompanhamento dos tratamentos do seu filho e não ainda terem que se preocupar se seu filho será ou não atendido.

Diante da negativa de atendimento das operadoras de plano de saúde, os pais devem procurar um advogado, visto que ele possui melhores condições de sanar os problemas ocasionados pela negativa de atendimento a esses profissionais multidisciplinares. É a limitação do acesso dos usuários às sessões multidisciplinares anuais. A alegação principal das operadoras para tal limitação está no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) que determina a cobertura mínima obrigatória para os profissionais responsáveis pelo atendimento das crianças com autismo.

A questão é que esse rol não é taxativo, ou seja, ele é apenas uma referência mínima obrigatória de cobertura que a ANS estabelece para as operadoras de planos de saúde. Na prática, quem é um único detentor da orientação terapêutica ao paciente é o médico.

Só a ele cabe o diagnóstico e, sobretudo, a quantidade e o período de tratamento necessário ao paciente com autismo. O que temos de relevante para essa seara jurídica é que a legislação atual é bastante favorável às demandas relacionadas aos portadores do Transtorno do Espectro Autista, dando assim, aos usuários de plano de saúde, boas condições de êxito para as ações contra as operadoras de planos de saúde.

Vamos, então, a partir de agora, avaliar cada uma das leis e jurisprudências que dão sustentação às demandas jurídicas contra as operadoras de plano de saúde:

Lei 9.656/98
Ela traz como obrigatoriedade a cobertura das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, freqüentemente designada pela sigla CID – 10. E no caso específico do autismo, faz parte do Transtorno Global do Desenvolvimento (CID – 10 F84)

Não foi previsto nesta lei nenhuma limitação quanto ao número de sessões ou internações dos usuários dos planos de saúde.

Sendo assim uma simples resolução da ANS de um órgão regulador não pode se sobrepor a Lei 9.656/98

Código de Defesa do Consumidor
A Súmula 469 do STJ, segundo a qual “aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde” remete esses problemas de limitação de atendimento das operadoras de planos de saúde aos usuários ao Código de Defesa do Consumidor, que tem como referência principal o Art 51:
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

Entendimento do STJ:
– Somente ao médico que acompanha o caso é dado estabelecer qual o tratamento adequado para alcançar a cura ou amenizar os efeitos da enfermidade que acometeu o paciente.
A seguradora não está habilitada, tampouco autorizada a limitar as alternativas possíveis para o restabelecimento da saúde do segurado, sob pena de colocarem risco a vida do consumidor.
(…)

Ao propor um seguro-saúde, a empresa privada está substituindo o Estado e assumindo, perante o segurado, as garantias previstas no texto constitucional.

O argumento utilizado para atrair um maior número de segurados a aderirem ao contrato é o de que o sistema privado suprirá as falhas do sistema público, assegurando-lhes contra riscos e tutelando sua saúde de uma forma que o Estado não é capaz de cumprir. (REsp 1.053.810/SP – 3ª turma – Relatora Ministra Nancy Andrighi, j. 17/12/09)”

Súmula 302 do STJ:
Essa súmula deve ser aplicada por analogia “É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado”.

Se existe tal abusividade para internação, deve-se concluir que essa abusividade pode ser estendida quanto à limitação de sessões junto ao médico designado.

Lei 12.764 de 2012 que instituía a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista:
Traz em seus artigos 2°, III e 3°, III, “b” a obrigatoriedade do fornecimento de atendimento multiprofissional ao paciente diagnosticado com autismo.

Sendo assim, ressaltamos mais uma vez, que os familiares que estão no dia a dia lutando ferozmente pela felicidade dos seus filhos, não percam as suas energias demandando e brigando contra as operadoras, em busca de um direito que já é seu.

O atendimento multidisciplinar não pode ser restringindo pelas operadoras de planos de saúde.

Em havendo essa ocorrência, busquem a Defensoria Pública, o PROCON e, especialmente, os advogados que atuam na área do Direito à Saúde, pois, nas mãos de um profissional especializado esse problema será resolvido de forma rápida, evitando um sofrimento maior para os familiares.

“O direito não socorre aos que dormem”
Edvarney Luís Silva Pacifico de Souza, Bacharel em Direito (FACAM – Faculdade do Maranhão) e em Administração (UEMA – Universidade Estadual do Maranhão – UEMA). Pós-graduado em Gestão Estratégica da Informação (FGV – Fundação Getúlio Vargas, de Brasília (DF)). Advogado do INSTITUTO DEFISA, com atuação na área do Direito à Saúde.

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