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O gênio turista

Por Antonio Noberto

Um gênio, apegado a estudos culturais, deixou o seu planeta e resolveu procurar um lugar na terra para fazer um tour. Escolheu o Nordeste brasileiro e, neste, como ponto de partida, decidiu-se por São Luís. Chegando ao Centro Histórico da capital maranhense encontrou dois europeus, que residiam na Ilha, um português e um francês, e lhes pediu informações sobre o primeiro capítulo da história da cidade.

O gênio – Qual de vocês aqui chegou primeiro e fundou fortalezas, casas, capelas, criou leis e nomeou a cidade com o nome do seu rei?

O português (indicando o francês com o polegar) – foi ele, amigo.

O gênio – Quem foi que, autorizado pelo papa, no início dos anos mil e seiscentos trouxe para esta Ilha quinze padres franciscanos e aqui fundou o primeiro convento capuchinho do Brasil?

O francês – Fomos nós gauleses, nobre visitante.

O gênio – Quem foi que deixou todo o Brasil setentrional abandonado e não se preocupou em colonizá-lo?

O francês – Foram eles.

O gênio – Quem foi que escreveu os primeiros livros, relatos, crônicas e descrições sobre o povo, a fauna e a flora do Maranhão e toda a região.

O português – foram eles, senhor.

O gênio – Quem foi que aportou aqui convidado pelos legítimos donos da terra, os tupinambás, e viveu em harmonia com eles?

O francês – Fomos nós, senhor.

O gênio – Quem foi que entrou pelos fundos da Ilha, na calada da noite, e se aproximou do Forte principal se escondendo nas matas no lugar conhecido hoje como Fonte das Pedras?

O português – Fomos nós, amigo.

O gênio – Quem dizimou as 27 aldeias existentes na Ilha e promoveu o maior genocídio do Brasil?

O francês – Foram eles, senhor.

O gênio – Quem foi que levou representantes indígenas tupinambás das aldeias do Maranhão para a Europa e fez-lhes grande recepção.

O português – Foram eles, senhor.

O gênio – Quem foi que não cultivou as artes e viveu somente para a guerra e, para isto, sempre utilizando o nome de Deus e de outros santos como forma de legitimação dos seus procedimentos?

O francês – Foi ele, senhor.

O gênio – Quem veio de um país pequenininho, mas que quis metade do Novo Mundo para si e, por conta disto, colonizou mal suas possessões?

O português – Fomos nós, senhor.

O gênio – Quem foi que não investiu em educação, promoveu a política do chicote e ainda levou o ouro do Brasil e deixou a cultura da exploração e do privilégio branco?

O francês – foram eles, mestre.

O gênio – Quem foi que em pouquíssimos dias após se apossar da Ilha, simulou uma fundação e nega a fundação de quem passou três anos?

O francês – Foram eles, meu gênio.

O gênio – Logo, por tudo isso, posso concluir que quem passou para a história brasileira como ambicioso, perverso, pirata e invasor foi você? (apontando para o português). – Não senhor, foi ele!

À vista destas palavras o gênio arrumou as malas e foi para outra cidade do Nordeste.

Baseado no texto O Rei da criação, de Humberto de Campos.

Turismólogo e sócio-efetivo do IHGM

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