Por Abdon Marinho
O jovem Snowden deixou para trás a sua namorada, seus pais, parentes e amigos. Deixou para trás um emprego que lhe rendia a sobrevivência e lhe dava prestígio. Deixou para trás seu país, tornou-se um proscrito, perseguido e caçado como uma fera acuada.
O jovem Snowden ainda se encontra sozinho na área de trânsito do aeroporto de Moscou, na Rússia. Uma espécie de purgatório diplomático. Não tem mais seu país para voltar e ainda não tem um país para onde seguir. As grandes nações, sem qualquer constrangimento, sem qualquer pudor, ignoram sua situação. Até a Rússia, em nome dos seus interesses comerciais, já disse que o mais importante é sua boa parceria com os americanos.
O jovem Snowden deixou tudo para trás. As coisas mais importantes para vida de qualquer ser humano, para denunciar que o governo do seu país estava espionando, de forma ilegal e abusiva, governos e cidadãos comuns ao redor do mundo. Países aliados, governos aliados, cidadãos de comuns, apolíticos, todos sendo bisbilhotados em suas atividades cotidianas. Nada escapando aos olhos e ouvidos do grande irmão do norte.
O ato deste cidadão do mundo, pois deveria ser chamado assim, foi um ato de extrema coragem, extrema abnegação, apesar disso, de tudo que teve que sacrificar, o mundo, países e a sociedade destes países parece ignorar.
As grandes nações, os que ainda tiveram coragem de esboçar alguma indignação ante o abuso claramente perpetrado, não foram além, a exemplo da Rússia, preferiram meter a viola no saco e aceita a bisbilhotagem abusiva como uma prática normal nas relações entre nações civilizadas. Em nome da balança comercial esqueceram os princípios mais comezinhos da dignidade humana. Alguém pode até achar normal que nenhum país hoje fale mais do assunto. A economia precede a tudo, não é essa a lógica? Talvez seja. Mas é razoável que sequer emita uma nota de apoio à pessoa que sacrificou a própria vida e um pouco mais para denunciar a prática abusiva? É normal que silenciem ao invés de oferecer asilo ao jovem? Não, não é normal, pelo menos não para mim.
Se as nações já exibem sem pudor toda sua desvergonha o que dizer da opinião pública mundial que simplesmente finge que nada está acontecendo? O que move tanta covardia por parte dos seres humanos? O que aconteceu com a outrora vibrante opinião pública da Europa e da América? Por qual razão não emitem um sinal de desaprovação a perseguição que sofre aquele jovem? Porque silencia? Porque a imprensa mundial simplesmente tirou o assunto de sua pauta enquanto o futuro de uma pessoa, que em nome de todos, sacrificou tanto, permanece indefinido? Medo? Pressão de seus governos?
A opinião pública mundial, a imprensa livre e independente já prestaram serviços inestimáveis à causa da cidadania, a causa dos direitos humanos, a preservação das espécies animais ameaçadas, as vítimas de toda sorte de abuso.
O que se passa hoje na Rússia, a indefinição e falta de solidariedade dos povos do mundo à situação de Snowden, é uma mancha na história da humanidade, é uma vergonha a recobrir todas as pessoas de bem.
Que sejam os governos covardes. Que coloquem seus interesses comerciais acima da dignidade humana, pode até ser compreensível. A covardia dos cidadãos, não é. Apenas é vergonhoso, indecente, imoral.
A opinião pública mundial já se mobilizou por inúmeras causas, já se solidarizou com povos e pessoas perseguidas, tempos bons. Hoje em tempos de comunicação instantânea é incapaz de se mobilizar por alguém que tanto fez em nome das liberdades civis. Condenam a vítima ao esquecimento. Sepultam-no vivo, enquanto festejam os que cometeram os abusos.
Agisse a vítima como um covarde qualquer decerto estaria bem melhor. Com certeza estaria. Com certeza estaria o mundo fazendo jus a sua enorme covardia agora demonstrada. Parece que vivemos um fim de círculo e que doravante imperará o vale tudo, o salve-se que puder, etc.
Que fim triste para a humanidade.
Abdon Marinho é advogado eleitoral.