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O vale-tudo vale a pena?

Por Abdon Marinho

Advogado Abdon Marinho.
Advogado Abdon Marinho.

Quase todos os dias a indagação do título assusta meus vagares. Trata-se de uma pergunta que poucos fazem, vivemos num mundo onde o ter vale mais que o ser. Onde o poderio econômico se sobrepõe sobre as concepções éticas. Aliás essa é a nova ética(?), ninguém liga para quem é essa ou aquela pessoa, se é bandido ou não, o que interessa é que o indigitado possa comprar o ingresso da festa. Vigora o cinismo em sua expressão mais crua. Tratei disso num texto anterior intitulado “degeneração”. Hoje tentarei abordar as consequências desta “nova ética”.

O lugar onde mais viceja é nossa ética é a política. Cunhou-se o entendimento e esse passou a ser o padrão, de que todo apoio é bem vindo, tudo soma votos. Esse e outros equívocos são os responsáveis por esse tipo de política que o cidadão de bem sente vergonha de participar.

Na nossa política de hoje (acho que nunca estivemos tão mal), fazem jus aquele entendimento cunhado pelo padre Antonio Vieira de que reis levariam consigo os seus ladrões e que estes levariam consigo os seus reis. Algum mais cínico, provavelmente, encontrará nas palavras de Viera uma justificativa aos seus desatinos. Não duvidem.
Mas voltemos à nossa realidade prática do dia a dia. Como dizia os nossos políticos de hoje, embora sabendo do passado de crimes de seus aliados, pois todos sabem de tudo nesta terra, fingem que não sabem, ignoram e até tratam com deferência seus criminosos. Passam à sociedade de que se fulano está comigo seus crimes, ainda que hediondos, são meras travessuras, pecadilhos infantis.

Muitos dos nossos políticos (sérios?) dizem: “Não importa com quem chegaremos lá, o que importa é chegarmos”. Esse é o ponto. Chegar ao poder de qualquer maneira, com qualquer pessoa, fazendo-se todo tipo de concessão é aceitável? Em nome de se chegar ou de se manter no poder é aceitável aliar-se ao crime organizado ou a criminosos comuns? Corruptos, assassinos e larápios de todos os naipes, ladrões das esperanças alheias? Entendo que não.

Comecei na militância política muito cedo. Era criança e já tinha uma participação ativa na campanha eleitoral de 1982. O vi nestes anos todos é que os bandidos que viraram aliados dos políticos honestos(?) não se regeneraram, pelo contrário, contaminaram aqueles governos com suas práticas nefastas. Aumentaram seu poderio econômico e criminoso. Mais grave, agora com o manto de cidadão de bem porque, supostamente, teria contribuído para eleição de um pessoa de conduta, até então ilibada.
O que tenho visto é os governos sucumbirem ao crime, aos malfeitos. Usando as palavras de Vieira, tenho mais visto ladrões levarem reis aos infernos do que reis levarem seus ladrões ao paraíso. Esta é a realidade.

Os líderes políticos não entendem que ao fazerem suas opções, ao colocarem ao seu lado criminosos, ao confraternizarem com eles, colocam em situação desconfortável dezenas de milhares de aliados e simpatizantes que não concordam com essas escolhas. E que muitas vezes votam, unicamente por falta de opção.

A situação não melhora se fizermos uma análise do quadro partidário. Todos os partidos (a exceção justifica a regra) tem dentro de seus quadros pessoas cuja a única contribuição que podem dá a qualquer projeto é a contribuição financeira, dinheiro obtido pelos meios mais indignos. Quando falo que dão cometo um equívoco, na verdade eles trocam o aporte financeiro por uma biografia melhorada por ter apoiado o político sério (?) e pelos possíveis negócios que irão fazer num futuro governo.
O que tenho visto são os políticos que dizem que o que importa é ganhar com quem quer seja, não conseguirem se desvencilhar dos seus aliados de oportunidade, caem na teia da corrupção, alguns por falta de alternativa, outros com muito gosto. Usam e são usados pelos criminosos a quem deram passe livre nos seus governos.

Muitos falam numa “nova política” até onde a minha vista alcança, não a vejo, pelo contrário, enxergo é uma “nova ética” a degenerar o pouco que resta da classe política brasileira.

Os líderes políticos e a sociedade que os seguem cegamente, não se dão conta que há um projeto de dominação orquestrado pelo crime organizado e pelos criminosos comuns. Neste projeto o caminho que tem se mostrado mais fácil de ser alcançado em que pese já estarem infiltrados em quase todos os espaços, é o caminho da representação política conquistada nas urnas. Através destas maçãs podres alcançaram, se já não alcançaram, os píncaros do poder. Os pícaros alcançarão os píncaros, para não perder o trocadilho.

Encerro com o triste constatar que a sociedade, não sei se anestesiada ou embevecida, parece que não se dá conta do está em jogo. Segue achando ser normal todo tipo de aliança para se alcançar o poder.

Ora, não se tratar de poder. O que se trata é o tipo de poder que se quer. O poder pelo poder só interessa aos tolos, aos vaidosos e aos bandidos. O que se deve buscar e é legítimo que se busque é um poder que não faça concessões a bandalheira, que de fato represente algum tipo de mudança positiva na vida das pessoas. Um poder que perpetue a corrupção e desigualdade com novos atores, estes muitas vezes piores que os anteriores, ao menos, ao meu sentir, não interessa a ninguém, exceto aos malfeitores e criminosos que anseiam por se infiltrarem e se locupletarem do poder.
A pergunta que fiz no começo permanece latente: O vale-tudo vale a pena? Tenho minha resposta. Busco outras.

Abdon Marinho é advogado eleitoral

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