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O vício do “todo mundo faz”

Por Abdon Marinho

Advogado Abdon Marinho.
Advogado Abdon Marinho.

Um novo epíteto é repetido como um mantra na nova formação ética e moral brasileira. Como um medicamento milagroso ele se aplica a tudo. Por onde passamos, para todas as situações, para todos os dias. Refiro-me ao “todo mundo faz assim”, muitas das vezes também usado em suas variáveis: “É assim mesmo”, “faz parte da cultura”.

A praga, como todos os malefícios que surgem neste Brasil varonil, se alastra pelos quatro cantos do país, e, de tão comum, ninguém mais ousa contestar.

O cidadão foi contratado ou aprovado para execre um cargo público com carga horária de 40 horas, aparece uma ou duas vezes por semana, se alguém pergunta a razão, simplesmente responde que “todo mundo faz assim”; o servidor publico chega a qualquer e sai a qualquer hora da repartição, justifica dizendo “todo mundo faz assim”; o empresário para aviar um documento paga uma “cervejinha” e diz “todo mundo faz”; o servidor recebe e justifica “todo mundo faz”; o empreiteiro corrompe esse ou aquele para ganhar uma licitação pública e usa o argumento singelo “todo mundo faz”; o cidadão ocupa a vaga destinada a idosos ou deficientes, argumenta “todo mundo faz isso”; furam a fila no banco motivo: “Todo mundo faz”.

Assim, o Brasil vai se tornando a terra do todo “todo mundo faz”. Agem como se o erro, se coletivo, tenha ganhado uma imunidade, tenha uma absolvição automática. A sociedade perdeu suas referenciais éticos, justificando “no todo mundo faz” sua própria falta de pudor. Acontece aquilo que já se esperava que acontecesse: As pessoas serem honestas para o público externo e não para si. Ora, se a minha referência de honestidade é o vizinho e não eu próprio, se ele faz algo de errado é como se absolvesse meus próprios erros. E isso, ao meu ver, não tem como sustentar-se.

Reparem que nos dias de hoje, por tudo alguém demanda judicialmente, todo mundo cobra seus direitos, nunca os fóruns e varas de justiça estiveram tão abarrotados de processos. Todos querem, e com razão, que seus direitos sejam respeitados. Entretanto, esses mesmos que cobram o respeito aos seus direitos são os mesmos que recorrem à auto-absolvição do “todo mundo faz”. Ninguém dispensa um centavo no seu salário, mas perguntem se demonstram o mesmo afinco no trabalho. Quantos não passam o dia nos cafezinhos, chegando mais tarde, saindo mais cedo, buscando uma desculpa na infinidade de feriados e datas comemorativas para ampliá-las ou estendê-las? O feriado é na sexta, vamos indiciá-lo na quinta. A quarta já se torna véspera do feriado que só deveria ser na sexta.

Talvez algum estudioso algum dia se ocupe do estudo destes fenômenos dos nossos dias em que as pessoas se acham merecedoras de tudo e devedoras de nada. Todos querem o dinheiro sem trabalho, o sucesso sem o esforço, o reconhecimento sem a dedicação. Principalmente no serviço público, onde as pessoas intuem que que se público não é de ninguém, quando na verdade, se é público é de todos e que ninguém pode ir se arvorando dono e tomando para si o patrimônio que é de todos. Como alguém pode achar justo receber o salário para trabalhar 40 horas se só trabalha, quando trabalha, 8 horas/semanais? Como alguém pode achar normal que se vá roubando o contribuinte com as chamadas “pequenas corrupções” escudado no argumento que “todo mundo faz”? Não me parece correto. Alguém paga essa farra. Trabalha-se no Brasil mais de cinco meses por ano apenas para o pagamento de tributos e o Estado não nos dá absolutamente nada. Não temos educação digna, a saúde é caótica, a infraestrutura é sofrível, a criminalidade tomou de conta das ruas, das cidades e de tudo.

A sociedade ao invés de indignar-se faz é corroborar com todo tipo de bandalheira, achando normal e aceitando como normal a partir do coletivismo dos vícios.

A resignação do “é assim mesmo”, do “todo mundo faz”, etc., leva o país ao atraso, à falta de compromisso, a destruição dos valores sociais, da ética.

Estes vícios estão entranhados na sociedade brasileira, tomou o Estado em todos os setores, de cima para baixo. Começa nas mais altas esferas republicanas aos mais baixos extratos da sociedade. Igualam se todos nos malfeitos. A única cosia que diferencia uns dos outros, talvez seja o volume de malfeitos praticados.

São médicos falsificando os dedos para bater ponto nas unidades de saúde, quando tem esse sistema de controle, são servidores vendendo senhas de atendimento médico, são os grandes negociando os recursos da nação. São direitos tirados de quem os tem para dar os que não tem. Pior é que os reclamam são mesmos que são capazes dos mesmos atos aqui em embaixo.

A corrupção se tornou endêmica no país, isso é fato, graças a tolerância dos eleitores aqui embaixo. Todos reclamam dos corruptos que tomam conta do país, estado ou município, poucos são os que não querem ou tiram alguma vantagem quando surge uma oportunidade ou não corrompem ou se

deixam corromper nas grandes ou pequenas coisas. Cinquentinha para não ser multado, trintinha para não cortar a luz, cemzinho para apresar o alvará, e por aí vai.

Nada demais, apenas o que “todo mundo faz”.

Abdon Marinho é advogado eleitoral.

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