A complexa engenharia de corrupção implantada pela Odebrecht e revelada nas delações dos executivos e ex-executivos da empreiteira contava, além de funcionários da própria empresa, com uma rede de prestadores de serviços, como doleiros, operadores e entregadores de dinheiro.
Também chamado de “setor de propinas”, o Departamento de Operações Estruturadas da Odebrecht movimentou, segundo um dos delatores, cerca de US$ 3,370 bilhões (equivalentes a R$ 10,6 bilhões) entre 2006 e 2014.
O departamento – responsável pelos repasses de subornos e caixa 2 – foi comandado de 2006 a 2015 por Hilberto Mascarenhas da Silva Filho.
Funcionário antigo da empreiteira com experiência na área administrativo-financeira, ele foi convidado pelo então presidente do grupo, Marcelo Odebrecht, a deixar um posto na Tesouraria da empresa para coordenar a área de Operações Estruturadas.
Além de Mascarenhas, outros sete funcionários da Odebrecht atuavam no “setor de propinas”, incluindo duas secretárias que, segundo o coordenador do departamento, não tinham conhecimento da real atividade da área (veja mais abaixo quem trabalhava no departamento).
De acordo com os próprios donos da Odebrecht, a construtora fazia pagamentos ilícitos em contratos de obras públicas havia pelo menos três décadas.
No entanto, a corrupção, relataram os empresários Emílio e Marcelo Odebrecht, se intensificou a partir de 2006, ano em que foi criado o Departamento de Operações Estruturadas.
O “setor de propinas” substituiu uma área que já atuava na empresa para realizar o pagamento de propinas, contou à Procuradoria Geral da República (PGR) Hilberto Mascarenhas.
Ele explicou aos procuradores da República que, na época em que funcionou a antiga área de pagamento de propinas, os repasses de dinheiro ilícito aconteciam em menor proporção e eram feitos por meio de doleiros.
Antes da estruturação do novo setor, afirmou o delator, as propinas movimentadas por doleiros somavam entre US$ 60 milhões e US$ 70 milhões por ano.
Marcelo Odebrecht começou a organizar o novo setor de propinas no segundo semestre de 2006.
Conforme Mascarenhas, naquela época, o então presidente do Grupo Odebrecht havia estabelecido um “arrojado” plano de crescimento da holding que reúne todas as empresas do conglomerado.
Para alcançar a meta de crescimento, explicou o delator, o empresário autorizou um “aumento significativo” no volume de propinas que a Odebrecht pagava até então.
Montagem do setor
Hilberto Mascarenhas afirmou à PGR que, inicialmente, relutou em aceitar o convite de Marcelo Odebrecht para coordenar o novo “setor de propinas” da empresa.
O delator relatou que mudou de ideia depois de receber uma proposta que contemplava aumento de salário, carro com motorista, apartamento em São Paulo e passagens aéreas para visitar a família em Salvador nos finais de semana. Além disso, ele disse que ficou com receio de ir para a “geladeira” da empresa e, posteriormente, ser demitido caso não aceitasse a oferta apresentada pelo dono da empreiteira.
Ao aceitar o convite, Mascarenhas convidou Angela Palmeira e Luiz Eduardo Soares para atuarem em sua equipe. Ele também herdou uma funcionária remanescente do antigo departamento de propinas: Maria Lúcia Tavares (que, posteriormente, revelou à Lava Jato a existência do “setor de propinas”).
A área de Operações Estruturadas, segundo Mascarenhas, era subordinada diretamente a Marcelo Odebrecht. Até 2009, contou o coordenador do setor, apenas o presidente da empresa determinava os pagamentos de subornos.
A partir daquele ano, Marcelo autorizou outros seis executivos do grupo – os chamados LEs (líderes empresariais) – a ordenarem pagamentos de propinas e doações via caixa 2 das obras relacionadas as suas empresas.
Benedicto Júnior, ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura
Ernesto Baiardi, responsável pelas operações da Odebrecht na África e na Europa
Fernando Reis, ex-presidente da Odebrecht Ambiental
Henrique Valadares, ex-presidente da Odebrecht Energia
Luiz Mameri, responsável pelas operações da Odebrecht na América Latina
Márcio Faria, ex-presidente da Odebrecht Industrial
Mascarenhas destacou, entretanto, que os pagamentos que não tinham relação com obras continuaram sendo autorizados, exclusivamente, por Marcelo Odebrecht.
Modus operandi
Em um de seus depoimentos à PGR, o ex-coordenador do setor de Operações Estruturadas detalhou como funcionavam os pagamentos feitos pelo “setor de propina”. Segundo ele, a empreiteira utilizava somente dinheiro que mantinha fora do país para os pagamentos ilícitos no exterior e no Brasil.
Diante das demandas dos executivos com aval para autorizar pagamentos, funcionários da área de Operações Estruturadas movimentavam dinheiro depositado em contas de offshores administradas pela empreiteira no exterior que não eram declaradas ao Fisco. Essas transações sempre envolviam moeda estrangeira.
Ex-dirigente da Odebrecht explica quem era o operador contratado pela empreiteira para disponibilizar propina no Brasil e no exterior
Mascarenhas contou que, para viabilizar as movimentações, a Odebrecht contratou Olívio Rodrigues, dono de empresas offshores com contas em bancos da Antígua e do Panamá que se tornou operador exclusivo da empreiteira.
Sob as ordens do “setor de propinas”, Rodrigues utilizava dois caminhos para fazer com que as propinas chegassem aos destinatários.
Um trajeto, mais curto, servia para pagamentos no exterior. Nesse caso, a Odebrecht transferia dinheiro, em moeda estrangeira, para uma das contas do operador, que repassava os valores aos destinatários da propina em contas mantidas fora do Brasil.
Existia, porém, um segundo caminho, que era utilizado para pagamentos em espécie para beneficiários dentro do território brasileiro.
De acordo com o delator, nesses casos, a empreiteira transferia o dinheiro em moeda estrangeira para as contas de Rodrigues. O operador, por sua vez, repassava os valores para contas de doleiros em paraísos fiscais no exterior para comprar reais.
Esses doleiros disponibilizavam no Brasil dinheiro em espécie, em reais, aos entregadores e aos operadores da Odebrecht. Esses recursos não contabilizados abasteciam propinas e doações por meio de caixa 2 para campanhas eleitorais.
Funcionários do setor
Fernando Migliaccio: foi transferido do departamento de Relações Institucionais da Odebrecht, em Brasília, para atuar como tesoureiro do “setor de propina” na capital paulista. Era o responsável pelo controle do dinheiro em caixa e pelas movimentações de valores em offshores.
Luiz Eduardo Soares: estruturador de operações financeiras para pagamentos complexos e vultuosos no exterior. Também era encarregado de movimentar o dinheiro depositados nas contas das offshores da Odebrecht fora do país.
Ubiraci Santos: responsável pelo recebimento de solicitações de pagamento dos executivos do grupo. Tinha controle de programação de pagamento de obras.
Ângela Palmeira e Maria Lúcia Tavares: eram as responsáveis pela parte operacional dos pagamentos. Agendavam as datas dos repasses, distribuiam as senhas e marcavam os locais de entrega de propina no Brasil e no exterior.
Alyne Borazo e Aldenira Bezerra: secretárias do departamento que auxiliavam nas tarefas administrativas. Segundo Hilberto Mascarenhas, elas não tinham conhecimento das irregularidades praticadas pela área de Operações Estruturadas.
Sistema Drousys
Para controlar as movimentações do “departamento de propina”, a Odebrecht comprou um sistema de informática para operacionalizar repasses não contabilizados. As comunicações sobre pagamentos eram feitas dentro desse sistema, batizado de Drousys, ao qual os envolvidos no setor tinham acesso.
O servidor do sistema ficava na Suíça por “questões de segurança” para evitar acessos de curiosos, relatou ao Ministério Público Federal Camilo Gornati, responsável pelo Drousys.
O sistema de informática foi revelado em delação de Maria Lúcia Tavares, que era responsável dentro do setor de Operações Estruturadas pelo gerenciamento dos pedidos de propina e pela distribuição das tarefas aos entregadores.
Para organizar as movimentações de dinheiro, os destinatários dos repasses não contabilizados eram identificados por codinomes dentro do sistema. E para um pagamento se concretizar eram necessárias senhas e contrasenhas utilizadas por entregadores e destinatários finais ou seus intermediários.
Doleiros
Além do operador Olívio Rodrigues, o setor de Operações Estruturadas contava com a participação de doleiros que auxiliavam a disponibilizar reais em espécie no Brasil. Esses doleiros, muitas vezes, também entregavam pessoalmente dinheiro a intermediários dos destinatários de caixa 2.
Hilberto Mascarenhas listou os nomes dos seguintes doleiros que prestavam serviços à empreiteira:
Juca Bala: vendia reais no Brasil e também fazia entregas de dinheiro
Samir Assad: vendia “valores significativos” em espécie no Brasil, mas não fazia entregas
Rodrigo Duran: prestou serviços à Odebrecht desde 2011. Segundo o delator, disponibilizava dinheiro em reais, fazia entregas no Brasil e também tinha estruturas para fazer entregas no exterior
Álvaro José Novis: sobrinho de dois ex-diretores da Odebrecht, trabalhava com câmbio e entregava dinheiro em espécie no Rio e em São Paulo
Japéramo: doleiro que fazia entregas de dinheiro em Salvador
Madeira: vendia reais para a Odebrecht e fazia entrega de valores no Recife.
Álvaro José Novis também era utilizado em um esquema de corrupção que a Odebrecht tinha com o Grupo Petrópolis, dono da marca de cervejas Itaipava.
A empreiteira comprava dinheiro em espécie da cervejaria, que, então, repassava as quantias a Álvaro José. Inicialmente, o doleiro costumava guardar os valores em baias de cavalos no Jockey Clube do Rio de Janeiro para depois fazer as entregas.
Ele mudou a logística de pagamento de propina após perder R$ 7 milhões em um roubo nas baias do Jockey Clube.
Daquele momento em diante, para ter mais segurança, Álvaro José passou a receber o dinheiro comprado pela Odebrecht da Itaipava por meio de uma transportadora de valores.
Milícias, guerrilhas e sequestros
O setor de Operações Estruturadas da Odebrecht não foi criado apenas para o pagamento de propina e de caixa 2. O departamento reunia todas as movimentações não contabilizadas da empresa e serviu para pagar outros tipos de despesas relacionadas a obras, segundo delatores.
Marcelo Odebrecht contou que, a fim de garantir a realização de obras, a empresa utilizou recursos do setor para pagar milícias em favelas do Rio de Janeiro, guerrilhas em países latino-americanos e, até mesmo, resgate de sequestros em países como Colômbia e Peru.
Já Henrique Valadares, outro delator da Odebrecht, relatou que a área de Operações Estruturadas também pagou sindicalistas, policiais e indígenas de Rondônia para evitar problemas nas obras das hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau, em Rondônia.