Por Abdon Marinho
Quando assassinaram a verdade? Por qual razão a fizeram perecer? Quase todos os dias me faço essas perguntas. Em quase tudo que você ler, assiste ou ouve, se não estiver bem atento, receberá como verdade apenas uma parte dela ou ainda comprará como verdade a opinião deste ou daquele grupo. Usam de sofismas para fazer proselitismo político ou ideológico. Usam de meias verdades.
Vejamos o exemplo da questão da saúde pública no Brasil. Poucas pessoas parecem dispostas a debater a fundo a questão, a discussão rasteira preocupa-se apenas com algumas questões que não são mentiras, mas tão pouco são verdades absolutas.
As corporações médicas dizem que não faltam médicos e que o que falta é infraestrutura.
O governo diz que faltam médicos, por isso a solução é a importação destes profissionais.
A verdade e a mentira está nos dois argumentos: Ao meu sentir, se não falta médicos a distribuição está muito malfeita. Os municípios tem se desdobrar para garantir atendimento médico corriqueiro e não conseguem. Você não consegue encontrar um médico que queira cumprir uma carga horária de 40 horas nos PSF’s espalhados por esse Brasil, conforme o Ministério da Saúde exige. Acho até que não é necessário cada equipe ter um médico, pois 90% dos procedimentos poderiam ficar a cargo dos enfermeiros. Entretanto, para o MS se não tem médico, a equipe deve ser descrendenciada. E assim é feito. Resultado os médicos fingem que cumpre as 40 horas, os municípios são obrigados a complementar o salário para cumpram ou fingem que não veem o descumprimento. Tudo isso porque o MS não entende que na estratégia de saúde da família um médico poderia ganhar um pouco melhor e atuar no suporte de quatro ou cinco equipes de saúde.
Neste sentido, faltam médicos, sim. Mente o CFM.
Na outra questão é verdadeiro o que diz o CFM, a estrutura da saúde pública é caótica. Hospitais e postos médicos que não possuem a menos condição de atender a demanda populacional. O Brasil precisa de milhares de hospitais e postos médicos para atender a necessidade da população. Temos que retornar a política do SUS, uma das melhores existentes em todo mundo e na última década o governo não deu atenção. O governo oculta a verdade no quesito estrutura.
Na quesito importação de médicos é mesma coisa. Se são necessários médicos porque não permitir que médicos de outros países atuem no país, assim como os médicos brasileiros poderiam atuar noutros países, não são todos trabalhadores? O governo está certo quanto a importação mas erra quando não quer que esses profissionais façam um exame prévio que os credenciem a atuar no país, o chamado revalida.
Aí fica as corporações médicas dizendo que o governo coloca em risco a saúde da população (o que não é mentira) e o governo dizendo que as corporações médicas são desumanas, que não querem que o atendimento chegue aos brasileiros mais humildes, que há brasileiros morrendo à míngua por falta de atendimento (o que não é mentira, outro dia mesmo, tomei conhecimento que uma mulher morreu ao dar a luz, o Brasil é um país onde as mulheres ainda morrem de parto, é uma vergonha).
Temos como claro que cada um mente. Que cada um diz apenas sua verdade. No meio fica a população comprando a versão que lhe parece mais correta para suas circunstancias. A verdade como um todo passa a ser apenas um detalhe desagradável, para um e outro.
E a questão dos médicos cubanos? Alguém indagará. Já falei sobre isso no post “imoral”, mas farei uma ligeira observação.
Ontem chegaram os primeiros médicos cubanos. Embora consciente que foram ensaiados para fazer aquele discurso político, de solidariedade, de amor a profissão, etc., sei dos sentimentos e valores do povo cubano e não duvido de suas palavras, do seu compromisso e até do sentimento de solidariedade, até porque, ao menos de minha parte é recíproco. Defendo e admiro as inúmeras qualidades daquele povo, mas não comungo com a ditadura, nenhuma ditadura. Pois bem, bastou aquelas palavras, das quais não duvido de sua veracidade, para que muitos brasileiros, muitos que nunca souberam o que uma ditadura, fazerem proselitismo político do regime cubano e satanizarem nossos médicos, como se fossem os médicos os responsáveis pelo caos da saúde brasileira e a defender o governo pela importação dos profissionais cubanos, elogiarem o fato deles terem ditos que não se preocupam com salários e que essa é uma questão secundária, etc. Também achei lindo e emocionante. Entretanto, ao menos para os brasileiros que estão fazendo esse discurso, há algumas contradições inconciliáveis. Não são nem meias verdades.
Vejam, os que estavam recepção, os que vibram e fazem proselitismo com o desprendimento dos profissionais cubanos são os mesmos, que aqui no Brasil, sua nação, estão todos os dias cobrando melhores salários, redução da jornada de trabalho e melhores condições. Não são todos trabalhadores, todos não festejam o primeiro de maio igualmente, porque os brasileiros merecem tudo isso e os cubanos não? Porque esses médicos não tem sequer o direito de saber quando irão receber para salvar vidas nos rincões do Brasil, mas defendem para os brasileiros ambiente de trabalho climatizado? Aqui querem salários elevados mas para os cubanos não veem nada demais que o governo se aproprie da sua força de trabalho, é isso? Acham normal que o suor do trabalhador financie regime político, não só o cubano, qualquer que seja o regime? Acham normal reivindicar jornada reduzida para os trabalhares brasileiros para que eles tenham mais tempo para o lazer, para o convívio com suas famílias enquanto que os profissionais cubanos não puderam sequer viajar com seus familiares, e ficarão por meses sem qualquer convívio familiar? Me parece, no mínimo, uma incoerência.
A declaração dos médicos cubanos, as palavras gentis e solidárias, são um tapa na cara da sociedade brasileira, não por sua generosidade, mas por estarmos ignorando os tratados dos quais somos signatários para financiar um governo estrangeiro. É isso que está acontecendo.
Me respondam uma coisa: porque os profissionais dos outros países, que chegaram aqui livremente com seus familiares, terão o direto a percepção de seus vencimentos e os profissionais cubanos não?
Uma das pragas existentes no Brasil ainda é o trabalho escravo. Os chamados gatos aliciam trabalhadores no norte e nordeste do país e os levam para trabalhar noutras regiões, lá eles ficam meses sem direito a salários, os atravessadores recebem por eles e mal garantem que sobrevivam. Os órgãos de combate a essa prática não cessa neste trabalho. Me digam há diferença no que o governo fará com os profissionais cubanos? Eles trabalharão de sol a sol, serão hospedados e alimentados pelos municípios, mas o salário, o fruto do seu trabalho será definido pelo governo do seu país e que ninguém sabe quanto será. Essa é uma situação de normalidade? Há o que festejar nesse modelo de exploração? Se os trabalhadores são iguais, se o trabalho é igual porque uns terão direito a perceber seus salários e outros não? Quem souber a resposta me diga.
Abdon Marinho é advogado eleitoral.
Dr. Abdon Marinho,
Muito coerente seu EDITORIAL, o que se vê atualmente é exatamente, como fora tão corretamente colocado, que somente uma pessoa capaz quanto o senhor seria capaz de descrever com tamanha precisão.
(Conheço-o de vistas em Bom Jardim).