Por Abdon Marinho
Gosto muito de palavras e as respeito como poucos. Acho que tem a ver com minha formação interiorana. Lembro que quando menino havia certas palavras que não podíamos pronunciar, diziam que para não atrair os malefícios delas para nós. O câncer, por exemplo, só chamávamos “aquela doença”, e assim ia com muitas outras. Muitas vezes dos mais velhos: “não diga isso que atrai”.
Foi assim, meio por medo, que aprendi a respeitar as as palavras. Entender que não estão ai ao acaso, e tentar encontrar um sentido para as mesmas. Quando leio um bom texto ganho o dia, uma simples frase já me enche de orgulho e contentamento.
Hoje li uma frase atribuída ao imortal e senador da República, ele teria dito num texto: “Nunca fiz mal a ninguém, perdoei os inimigos”. Embora pareça uma frase-feita, comum em orelhas de livros, dita por quem dita, um membro da Academia Brasileira de Letras, ganha um especial relevo. Inicialmente me deparo com a primeira situação contraditória: como alguém que nunca fez mal a ninguém teria necessidade de perdoar inimigos? Imagino que a frase se revista de uma contradição em si mesmo. Não acham?
Passado o espanto inicial, entendo que a frase permita alguns outros questionamentos. Ora, o político com mais de sessenta anos de vida pública dizer que nunca fez mal a ninguém é algo muito sério. Se nunca fez mal, como teria conseguido os inimigos a quem jura haver perdoado? Decerto que esses inimigos sejam todos cidadãos desajustados, carecedores de cuidados médicos. Só isso justificaria odiar um cidadão que em suas palavras “nunca fez mal a ninguém”, só ofendeu até hoje, o bocado comido, como se dizia no interior. Ainda ressoa nos meus ouvidos: “fulano só ofende a comida que come”, esse fulano é o nosso indefectível e imortal senador.
A se dá o crédito que se deve dar as palavras de cidadão tão ilustre, temos uma nação precisando de divã. Uma nação capaz de fazer algo que não se deve fazer com ninguém, desejar-lhe mal, não respeitar suas enfermidades ou o peso de seus anos. Uma nação capaz de gritar palavrões impublicáveis em eventos públicos, de protestar em frente a hospitais contra o cidadão. Alguns destes comportamentos incompatíveis com o nosso estágio civilizatório. A minha formação, por exemplo não me permite desejar o mal a quem que seja. Se algum momento o sentimento negativo tenta vencer, peço perdão a Deus e que os afastem de mim.
Entretanto, se é certo o dito popular que diz: “vox populi, vox Dei”, a voz do povo é a voz de Deus, e essa voz até aqui tem se mostrado tão desfavorável ao senador, talvez já passe do momento dele examinar sua própria conduta até aqui, sua consciência. Procurar entender a razão de, embora nunca ter feito mal a ninguém, ter ganhado tanta antipatia por parte da população. O que será que lhe atribuem para, um povo que é tão ordeiro, referir-se a ele com os piores impropérios? Chegar ao extremo, de quando morrer alguém, dizer: “todos partem menos Sarney”? Ou ainda fazer dezenas de piadinhas infames, algumas de gosto duvidoso, desejando seu passamento?
Como será que o povo não enxergou ainda que nunca fez mal a ninguém? Porque será que lhe atribuí todos os males e mazelas da nação? Todo o atraso político e cultural do Maranhão e do Brasil? Como será que numa nação tão carente líderes e mártires, tanta generosidade não tenha aflorado?
Talvez porque vivamos numa nação de ignorantes? Seria isso a justificar esse total desamor por quem nunca lhe fez qualquer mal? Mas sendo essa uma nação de povo ignorante a quem se deve tal coisa? Qual a participação de cada um?
Um homem público, referência política, tido por arguto, perspicaz, não chega onde chegou, sem saber das coisas. Decerto sabe o que fez para angariar tanta malquerença. Decerto não saiba é como rescrever a história para que se torne um líder mais querido e menos odiado, acreditado mais pelo bem que pelo mal que possa causar, infelizmente o tempo é só um. A chance perdida não volta mais. Esse tempo é cruel e a história mais ainda.
(A charge é só ilustrativa e não representa meu pensamento).
Abdon Marinho é advogado eleitoral.