Da Folha de São Paulo
A PEC da Anistia, que deve ser aprovada em primeira etapa na terça-feira (16) pela Câmara dos Deputados, pode livrar de punição partidos que cometeram as mais diversas irregularidades ao longo dos anos, o que inclui uso de verba pública para compra imotivada de quatro toneladas de carne em um ano.
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) concluiu neste mês o julgamento das contas de todas as legendas relativas a 2017, reprovando 19 delas e aprovando 16 com ressalvas —a falta de estrutura da Justiça faz as análises ocorrerem com atraso de quase cinco anos.
Um dos casos mais emblemáticos é o do Pros, criado em 2013 e incorporado neste ano ao Solidariedade.
Relatado pelo ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, o acórdão que rejeitou as contas nacionais do partido e o condenou a devolver R$ 2,4 milhões aos cofres públicos enumera uma lista de irregularidades, a maior parte delas ligadas à suspeita de uso do dinheiro público em benefício do então presidente da sigla, Eurípedes Jr.
Entre elas, a construção de uma piscina e a realização de reformas em sua casa, compra de uma máquina industrial de polimento de pisos, gastos com compra e manutenção de avião e helicóptero, além da aquisição de máquinas, utensílios, pessoal e insumos típicos de um restaurante profissional.
Os técnicos do TSE relataram durante a instrução do julgamento que, em Planaltina de Goiás, terra de Eurípedes, funcionava na mesma época a Biroska do Churrasco, de propriedade de uma ex-companheira do dirigente.
O Pros nega que as carnes tivessem como destino a churrascaria, afirma que a união estável entre os dois terminou em dezembro de 2016 e que todas as aquisições eram para cozinha montada pelo partido para dirigentes, funcionários e convidados.
Entre os itens adquiridos com dinheiro público estiveram forno elétrico, 100 pratos de mesa e 100 de sobremesa, bifeteira elétrica, fritadeira, equipamento de bufê de 18 cubas para exposição de alimentos quentes e saladas, máquina com capacidade para produzir 50 kg de gelo por dia, facas de açougue, de peixaria, de churrasco, cutelo, jarras, porcelana para sobremesa de creme brûlée, taças de vinho e de água, galhetas de azeite, maçarico de culinária, frigideiras, caçarolas, formas para quindim, entre outros.
Um chef de cozinha e um garçom também foram contratados pelo Pros, com salários que somaram R$ 48 mil no ano.
O partido gastou ainda outros R$ 135 mil com alimentos, com destaque para 3.700 quilos de carne —cerca de 10 kg por dia, incluindo feriados e finais de semana.
Sandra de Oliveira Caparrosa disse à Folha que o relacionamento com Eurípedes Jr. foi desfeito em março de 2017 e que não houve nem antes nem depois disso o uso de nenhum centavo do partido em seu estabelecimento, que já existia e estava equipado havia anos.
“É um restaurante que vem de família, sociedade minha e da minha mãe, no imóvel da minha mãe. Eurípedes Jr. e Pros não tiveram participação em nada. Pelo contrário, o restaurante alavancou financeiramente as viagens para a criação do partido, a alimentação para as pessoas que trabalhavam na criação do partido”, afirmou Caparrosa.
A área técnica do TSE afirma no relatório que “não foram apresentados documentos que comprovassem a utilização de tais equipamentos adquiridos com dinheiro público em atividades partidárias”, sendo que “os funcionários do partido recebem vale-alimentação, não se justificando a mencionada despesa”.
Alexandre de Moraes escreveu em seu voto que os materiais adquiridos não possuem qualquer relação com a atividade partidária, assim como a contratação de chef e garçom e “a aquisição de gêneros alimentícios no montante de R$ 134.660,47, diante da compra de, entre outros itens, 3.700 kg de carne”.
A PEC (proposta de emenda à Constituição) conta com o apoio de governo e da oposição e deve ser aprovada nesta terça na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, o primeiro passo da tramitação.
Assinada por 184 deputados, incluindo os líderes do governo, José Guimarães (PT-CE), e da oposição, Carlos Jordy (PL-RJ), a PEC proíbe qualquer punição a ilegalidades cometidas até a sua promulgação, incluindo o desrespeito ao repasse mínimo de verbas a mulheres e negros nas eleições.
Na análise das contas do Pros, o TSE também apontou a suspeita de uso de outros R$ 328 mil do dinheiro do fundo partidário em reformas na casa do presidente do partido, em Planaltina.
A área técnica, além de apontar a ausência de documentos que comprovassem a regularidade da aplicação dos recursos, citou inquérito policial em que uma arquiteta e diversos ex-funcionários do partido relataram ter prestado serviços particulares a Eurípedes, recebendo para isso salário do Pros.
A arquiteta, por exemplo, disse ter feito o projeto de piscina e consultas arquitetônicas para área de churrasco da casa de Eurípedes Jr.
“Leôncio Bernardo Amorim, funcionário do partido na função de pintor, declarou (…) que chegou a trabalhar na residência de Eurídes Júnior durante a escavação do buraco onde seria colocada uma piscina, que chegou a realizar o acabamento da piscina, que perdurou por cerca de três meses, que juntamente com o depoente havia cerca de sete pessoas trabalhando, todas funcionárias do Pros”, relatou a área técnica do TSE.
Outro uso irregular de dinheiro público pelo partido, de acordo com o TSE, ocorreu em relação à aquisição por R$ 404 mil do avião bimotor PT-VQW, além de R$ 180 mil com combustível, salários de piloto e manutenção de um helicóptero Robinson Modelo R66, também obtido com dinheiro do fundo partidário em anos anteriores e igualmente considerado irregular pelo TSE.
“Constatou-se que o helicóptero do partido realizou 101 voos, sendo 60 de ida e volta de Planaltina à Valparaíso/Goiânia e 25 referentes ao trecho de Planaltina até o Lago Sul [de Brasília], cuja distância percorrida é de 68 km”, diz o relatório do tribunal.
Moraes concluiu seu voto, que foi seguido pelos demais ministros da corte, aplicando a multa máxima, 20%.
“O partido tem contra si falhas graves (…), saída de numerário da sua conta relativo à aquisição de avião bimotor e, principalmente, despesas particulares do presidente da agremiação pagas mediante recursos públicos. (…) Desse modo, compreendo proporcional a multa em 20%, considerando a natureza gravíssima das falhas apuradas, que não se coadunam com o sistema democrático político-eleitoral.”