A portaria do governo para retomar o pagamento de emendas parlamentares gerou mal-estar entre aliados de Lula (PT) e o ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal).
A contrariedade de integrantes do governo cresceu após Dino ter negado na segunda-feira (9) três pedidos feitos pela AGU (Advocacia-Geral da União) para facilitar o desbloqueio de mais de R$ 13 bilhões em emendas ainda não empenhadas.
As emendas são uma forma pela qual deputados e senadores conseguem enviar dinheiro para obras e projetos em suas bases eleitorais e, com isso, ampliar seu capital político. A prioridade do Congresso tem sido atender seus redutos eleitorais, e não as localidades de maior demanda no país.
Os pedidos do governo para o STF estavam alinhados com a cúpula do Congresso. Eles miravam o pagamento de emendas “Pix” e a identificação dos parlamentares autores originais das emendas de comissão.
Com a negativa de Dino, o governo finalizou a portaria em menos de 24 horas. O texto pode abrir brechas para as emendas “Pix” enviadas para a área de saúde serem executadas sem a apresentação de planos de trabalho.
A portaria ainda permite que as emendas de comissão sejam executadas quando “qualquer parlamentar” se identifique como solicitante da verba —sem garantias de que o congressista seja efetivamente o responsável pelo dinheiro.
Dino, que até então vinha dando decisões favoráveis à gestão petista, passou a exigir mais transparência e rastreabilidade das emendas parlamentares.
O bloqueio da verba pelo STF e as novas regras aprovadas pelo Congresso e sancionadas por Lula causaram uma crise entre os três Poderes.
Emissários do governo tentam construir canais de negociação com outros ministros do tribunal. Mas ainda não bateram martelo sobre novo recurso ao STF.
O imbróglio começou há cinco meses, mas ganhou novos contornos com a solução dada pelo governo com regras para distribuição dos recursos, em meio à urgência governista em votar o pacote de corte de gastos no Congresso e à exigência dos deputados e senadores em receber, como contrapartida, suas emendas, represadas desde agosto.
Foram editados um parecer da AGU orientando ministérios para distribuição das emendas e uma portaria interministerial sobre o mesmo tema.
Auxiliares de Dino dizem que ele nem sequer tomou conhecimento dos dois textos e que só os lerá quando estiverem nos autos. Mas pessoas próximas ao magistrado e ex-ministro da Justiça de Lula veem uma tentativa do governo de constrangê-lo devido às suas decisões.
Aliados do presidente afirmam que Lula está preocupado com a repercussão das decisões de Dino, especialmente porque parlamentares desconfiam da participação do governo na suspensão do pagamento de emendas por determinação da corte.
Integrantes do governo chegam a afirmar, sob reserva, que Dino rompeu um acordo ao rejeitar recurso da AGU. Embora esteja preocupado com o impacto das decisões de Dino, Lula não estaria disposto a confrontar seu ex-ministro da Justiça, de quem gosta.
Na base governista, críticos de Dino começam a lançar dúvidas sobre a lealdade do magistrado, alimentando suspeita de que estaria disposto a concorrer à Presidência da República já em 2026.
Diante da possibilidade de ver o pacote de gastos não andar no Congresso, Lula chamou para uma reunião na segunda-feira os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), respectivamente. No encontro, segundo relatos, o petista disse que não interferiu na decisão de Dino.
Durante a reunião, também foram acertados os detalhes da portaria que regulamenta a liberação das emendas, necessárias para que o pacote avançasse.
O ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), na véspera, já havia repassado a parlamentares a minuta do texto. O deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) levou uma cópia para o presidente da Câmara, que, segundo relatos, solicitou alteração em dispositivo que tratava do pagamento de recursos para a área de saúde.
A portaria foi publicada em edição extra do “Diário Oficial” da União na terça-feira (10). A jornalistas, pouco depois do texto ir ao ar, Lira disse não ter lido nem a portaria nem o parecer da AGU.
“Temos uma lei aprovada que não foi declarada inconstitucional, sancionada pelo Executivo, com a decisão do ministro um pouco diferente do que foi aprovado. Então, esse é o dilema”, disse.
Para auxiliares palacianos, a reunião com Lula acertou termos finais para que as emendas fossem liberadas, e o pacote pudesse caminhar. Parlamentares, contudo, ainda aguardam céticos para avaliar se a medida será cumprida na prática.
A portaria editada pelo governo para retomar o pagamento das emendas foi publicada após Dino negar um recurso da AGU que pedia mudanças em três principais pontos. O ministro respondeu que os congressistas precisam se identificar para terem o dinheiro desbloqueado.
O governo ainda questionou o trecho da decisão de Dino que estabelecia a necessidade de prévia apresentação de um plano de trabalho para a execução das emendas “Pix”. A justificativa era de que a lei das emendas aprovada pelo Congresso em novembro já definia critérios para a liberação da verba. Dino negou.
O último ponto pedia que o Supremo alterasse a regra para o teto do crescimento das emendas parlamentares. O Congresso havia definido que as emendas seria reajustadas pela correção da despesa primária do ano corrente; no caso das emendas não impositivas, o valor seria sempre atualizado pela inflação.
Dino, porém, definiu outro critério. Ele estipulou três índices relacionados às despesas do governo e ao arcabouço fiscal e disse que o menor desses indicadores será usado para atualizar o valor das emendas do ano seguinte.
Da Folha de São Paulo