Por Abdon Marinho
Ontem escrevi algo sobre as violências que sofre a mulher na nossa sociedade. Hoje, logo cedo, me deparo com uma barbárie contra a dignidade do ser humano. O programa de rádio narrou o sofrimento de uma mulher em busca de atendimento. Dizia que a senhora grávida começou a perder líquido, imediatamente procurou a maternidade Marly Sarney, lá não a atenderam, ela então se dirigiu ao hospital materno infantil, lá também não a receberam, negaram-lhe atendimento. Desesperada a mulher e seus acompanhantes, foram à polícia, salvo melhor juízo, ao plantão central, lá o delegado condoído com a situação da senhora, acionou uma outra delegada que acionou uma promotora de justiça, que acionou o secretário de saúde do estado e só aí a senhora foi atendida na maternidade Marly Sarney, onde buscou atendimento pela primeira vez, isso já pelas 21 horas. O repórter narrou a história e ainda festejou a pronta intervenção do secretário de saúde.
Vejam, essa história não aconteceu no século passado num dos rincões do Maranhão. Ouvi isso hoje, o fato aconteceu ontem, na capital do estado. A senhora para ser atendida fez-se necessário a intervenção da polícia, do ministério público. Uma senhora, grávida, com risco de perder a criança, teve que passar por tudo isso para ser atendida. E se ela ou seus acompanhantes não tivessem a ideia de procurar a polícia? Voltaria para casa, com dores, e confiaria na piedade divina?
Não consigo entender, como é que isso tipo de coisa acontece. Como é que pessoa chega passando mal, precisando de ao menos um alento, uma palavra de conforto e os servidores não a atenda nem para dizer que não é nada. Simplesmente ignore a dor e o sofrimento da pessoa. O pior é que isso acontece todos os dias, em todos lugares do Brasil. Pessoas com fraturas expostas ou não ficam dias a espera de um atendimento.
O que acontece com os pacientes brasileiros não é normal assim como não é normal a indiferença de profissionais de saúde e demais servidores com essa situação. Claro que se compreende o clima de guerra que existe nessas unidades, a falta de estrutura, etc., mas será que isso é suficiente para se ignorar, inclusive como ser humano, o sofrimento de um semelhante? Vivemos dias tão ruins que o sofrimento não comove mais ninguém, nem aqueles que juraram solenemente cuidar dos enfermos?
O que chamou a atenção, é que diante das notícias que se tem, a saúde do Maranhão nem é a mais dramática, ainda assim se assiste um atendimento a uma grávida virar caso de polícia. Quer atendimento médico? Procure a polícia. Tem algo errado nesta frase. Algo está fora do contexto.
Embora o repórter tenha expressado um certo júbilo com a diligência do secretário, isso é mais um motivo de vergonha. Quer dizer que alguém ser atendido precisa que se localize o secretário de saúde? A vaga que não existia passou a existir num passe de mágica? Esse é o modelo de saúde que se constrói no Maranhão? E as milhares de pessoas que não tem acesso ao secretário, como ficam? E aquelas pessoas que não sabem que quando precisarem de atendimento médico devem ir à delegacia e não ao hospital? Tem algo fora do lugar.
Muitas vezes, vendo, ouvindo sobre essas coisas que não cansam de acontecer, me pergunto se não voltamos aos velhos tempos dos coronéis em que para tudo se precisava de um “padrinho” político. Onde estes senhores tem poder sobre a vida e a morte das pessoas. Não foi isso que aconteceu quando a vaga para atender a grávida só surgiu após a intervenção pessoal do secretário depois da intervenção de delegados e promotores de justiça? Essa senhora teve sorte, conseguiu atendimento. Outro dia me chegou a notícia de uma que não teve tanta sorte, o atendimento deficiente ou nenhum atendimento fez com que mãe e bebê morressem durante o parto. Faz menos de sessenta dias que soube deste caso. Não dá para aceitar esse tipo coisa. Em pleno século vinte e um não é aceitável, admissível que mulheres “morram de parto” como já aconteceu muito. Gravidez não é doença, é saúde, é vida.
Abdon Marinho é advogado eleitoral.