Por Abdon Marinho
Há alguns dias li que o Sr. Corrêa, presidente do Equador, informava aos cidadãos do seu país que iria propor uma consulta popular com o objetivo de proibir a circulação de jornais impressos naquele país.
A medida claramente retaliatória aos jornais e aos seguimentos sociais que se opõem a liberação de exploração de petróleo numa área considerada de grande interesse ambiental. Segundo o Sr. Corrêa, com essa consulta saberá quem são de fatos os verdadeiros ambientalista, pois os jornais são maiores responsáveis pelo desmatamento indiscriminado.
Como vivemos dias de egoísmo poucos deram atenção às palavras e o alcance das mesmas e seus aspectos históricos no processo civilizatório.
Vão séculos desde que a Inquisição fez fogueiras com livros nas praças da Europa. Vão anos desde que Hitler tentou criar um pensamento único e aniquilar a todos que discordassem de seus planos de poder, entretanto na nossa América a liberdade de expressão ainda sofre todos os tipos de agressão por parte dos tiranetes aqui instalados.
Confesso que demorei a entender o despropósito da ideia. Primeiro porque a proposta, como todas que se destinam a ludibriar o povo, veio floreada com supostas boas intenções. Vamos salvar as florestas do desmate para produzir jornais; a liberdade de expressão será garantida através dos jornais digitais, tecnologia é sempre bem vinda: a proposta é democrática pois vamos consultar toda a população.
Vejam são apelos consideráveis. Quem pode ser contra salvar as florestas? Quem pode ser contra a vontade da ampla maioria da população? Quem pode ser contra a informação digital?
Acontece que a proposta é a negação de tudo que se compreende como civilização. Muitos jornais estão abandonando suas edições impressas passando a circular apenas nas versões digitais. Entretanto esse processo se deu de forma natural. A proposta do presidente do Equador diz que vai PROIBIR a circulação impressa. Diz isso com a falsa desculpa de que salva florestas. Na verdade não quer seus opositores manifestem suas opiniões. Na verdade não quer que o povo conheça suas contradições. Até onde se sabe, a internet no Equador está longe de alcançar 100% da população. Ainda que fosse, será que uma pessoa não tem o direito de escolher o formato de leitura que quer fazer? Que direito tem o governo, qualquer governo, de proibir a impressão de jornais? Ou ditar suas linhas editoriais como querem fazer os governos autoritários, cada vez mais presentes?
Além do despropósito da ideia outra coisa me chama atenção no episódio, o silêncio da opinião pública que se diz descolada. O cidadão diz que vai fazer uma consulta para proibir a circulação de jornais impressos, e ninguém diz nada. Ah, entendi, não dizem nada porque o tem na conta de um deles. Afinal ele disse duas palavras contra o governo americano, apóia outras ditaduras como a de Cuba e da Coreia do Norte. Por conta disso pode dizer e censurar os meios como a circulação de informações se dá que está tudo bem. Quantos jornalistas, no exercício de sua profissão foram punidos ou sofreram toda sorte de perseguição estatal no Equador nos últimos anos? Tem até jornalistas exilados noutros países porque foram condenados por crimes de opinião. Aqui não se ouve um murmúrio de reprovação. Não dizem nada. É um silêncio cúmplice, criminoso.
Espera-se mais da sociedade. Ao menos um esboço de reação contra o autoritarismo. Espera-se respeito as conquistas da humanidade que foram se consolidando ao longo dos séculos. A invenção de Gutemberg merece mais respeito de todos nós. Ela foi o marco civilizatório da humanidade, não podemos permitir que um aprendiz de ditador diga quando ela deverá sair de cena.
Não merecemos continuar assim. Não merecemos acabar assim.