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Um dia típico

Por Abdon Marinho

Advogado Abdon Marinho.
Advogado Abdon Marinho.

Baseado nas notícias que li nos veículos de comunicação entendi o que seria um dia típico na visão do nosso secretário de segurança pública.

Pela manhã, enquanto se contabilizava os mortos e feridos da rebelião da noite anterior no presídio de pedrinha e se dimensionavam os prejuízos causados e grupos organizados, desorganizados e boateiros de plantão espalhavam o pânico pela cidade, sua excelência achou tempo e que era de bom tom ir a cidade Coroatá entregar uma viatura da polícia civil. O evento, ao que se pode aferir pela foto, deu-se em um ambiente privado, uma residência, uma chácara ou algo que o valha e contou com presença da prefeita do município e do delegado, ambos recebendo ou o secretário e a prefeita entregando as chaves da viatura ao delegado. Ninguém estranhou que ele estivesse lá naquele momento, praticando um ato oficial em ambiente aparentemente impróprio, enquanto o caos tomava conta da capital.

Numa tarde típica, autoridades do setor de segurança, secretário inclusive, reúnem-se com autoridades do Poder Legislativo estadual e municipal, da prefeitura da capital e do Poder Judiciário, com o objetivo de discutir os problemas relacionados à segurança pública. Que problemas, se tudo encontra-se dentro da mais perfeita normalidade?

Não lembro de ter visto algo assim nos últimos tempos.

Após a reunião o secretário declarou que não havia nada de atípico no quesito segurança. Em tese, segundo secretário, tudo está normal, típico.

Numa noite típica, leio aqui, a governadora decretou emergência no sistema prisional e pediu auxilio da Guarda Nacional.

Ora, estando tudo normal, nada atípico, que necessidade teria a governadora de adotar essas medidas?

É impressão minha ou a governadora, com essa atitude disse com todas as letras que o secretário não sabe o que diz?

Talvez tenha sido uma forma típica de dizer para o secretário pedir para sair, não acham?

O dia de ontem começou, transcorreu e terminou sendo tudo menos um dia típico. Respirou-se uma paz de cemitério. A maioria das pessoas se recolheu cedo em casa e durante a noite, sem transporte circulando, quase não se viu ninguém nas ruas e avenidas.

Não conheço o secretário, nada posso dizer sobre sua capacidade gerencial entretanto não podemos brigar com os fatos. Nos últimos anos a violência tem crescido de forma assustadora, ano após ano o morticídio só aumenta. E não adianta o secretário dizer que essa sensação é artificial. Só esse ano quase 600 pessoas foram assassinadas, presos foram mais de 30.

Ontem, quando o secretário não registrou nada de atípico, o comércio fechou, os ônibus deixaram de circular com o cair da noite, a população se recolheu. O aparelho de segurança tem se mostrado ineficiente até em coibir essas quadrilhas, formadas, em grande parte por jovens que até possuem contas no facebook. Até outro dia estávamos com quase três mortes/dia. Em dias normais são registrados quase dois assaltos a ônibus, um sem número de roubos de motos em diversos cantos da ilha. Não tem nada de estranho no fato dos motoristas não se sentirem seguros para trabalhar e terem recolhido a frota. Se os bandidos não se sentiam intimidados em assaltar motoristas, cobradores e passageiros, como vimos na noite de 09, não acharam nada demais em incendiar esses veículos, pelas imagens, sem sequer permitir que os passageiros deixassem o veículo antes de atear fogo.

Quando o secretário diz que vivíamos um dia com nada de atípico é possível que sim, isso dentro da rotina normal de violência que ameaça a todos.

Talvez o secretário não saiba mas típico para nós é arroz de cuxá, bobó de camarão, farinha seca, peixe-pedra em postas, típico é nosso rico bumba-boi, nosso cacuriá e demais manifestações culturais. Tudo isso é típico, a violência, não.

Quando um secretário é desmentido e desautorizado pelo chefe imediato como foi ontem, atípico é não pedir as contas.

Abdon Marinho é advogado eleitoral.

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