Por Abdon Marinho
Há muito tempo li uma frase que guardo até hoje. A frase dizia que existem coisas tão grandes que não conseguimos ver. Na minha cabeça infantil ficava refletindo como não conseguimos ver uma coisa se ela é grande. Com o passar dos dias acabei entendendo que as coisas efetivamente grandes não conseguimos enxergar por que as mesmas fogem do nosso campo de visão.
Refletia sobre isso diante dos fatos que assombram a todos na capital do Maranhão.
Tornou-se lugar comum as críticas que, pelos mais variados motivos, fazem à gestão de São Luís. Importante senador chegou a fazer uma defesa quase que literária do inverno como forma de o prefeito.
Outros, com menos delicadeza ou mais motivações partiram para o ataque em todos os pontos da administração. Um deputado estadual, não faz muito tempo, chegou a ir além do razoável nos seus posicionamentos principalmente por tentar, em cima da desgraça de toda uma população, fazer uma exploração política em favor do seus candidatos. Um outro senador, num estilo bem peculiar, também veio a público fazer cobranças a administração e, principalmente, tentar tirar vantagem eleitoral.
Embora os problemas digam respeito a todos, até aqueles que nunca se preocuparam com a cidade, o que se percebe é um desejo incontido, ainda que inconsciente, de tão ilustres figuras, senadores, deputados, estaduais e federais de serem vereadores.
Não é que os críticos estejam errados. A administração da capital padece de diversos problemas sérios e, já chegando quase na metade do quadriênio, não parece que o atual prefeito irá conseguir solucioná-los ou minorá-los para o seu bem, e ainda mais, para o bem da população. Não é, portanto, investido na condição de defensor do prefeito que faço abaixo algumas considerações sobre o que vem acontecendo e que, repito, não retira do alcaide sua responsabilidade, mas que ajuda a compreender o que se passa.
Não é de hoje que alerto para a política deletéria do governo federal em relação aos municípios. Tornou-se prática corriqueira o governo ir repassando diversos programas, projetos e responsabilidades sem repassar os recursos suficientes para a manutenção dos mesmos. Alie-se a isso a crise econômica que atravessa o pais, o baixo crescimento, o retorno da inflação. As arrecadações próprias dos municípios vieram abaixo. A grande maioria dos municípios têm dificuldades em fechar suas contas, tocar às obras necessárias, ter um projeto a executar. Sem desprezar a velha companheira de quase todos os governos, conhecida de todos, que atende pelo nome de corrupção.
A crise que o governo federal insiste em ocultar, faz suas principais vítimas nos municípios. Até municípios grandes e com uma economia quase que independente, vêm sofrendo com essa crise imposta, como os municípios do Sudeste e sul. A crise é tão séria que aliada a incompetência de alguns prefeitos gera verdadeiras calamidades, como é o caso de São Paulo, o mais rico município do Brasil.
Os municípios do Nordeste nem se fala. Salvo aqueles poucos que não dependem tanto dos repasses do FPM, todos os demais terão sorte se conseguirem honrar, ao menos, a folha de pagamento nos últimos meses do ano, que é quando os repasses diminuem sensivelmente.
O caso de São Luís parece e, é mais grave, porque além de enfrentar as dificuldades que sofrem todos os demais, tem uma tragédia própria que se soma a inaptidão e falta de conhecimento de muitos dos assessores do prefeito. Ao longo das décadas a cidade foi crescendo, e como dito por um ilustre senador, na mesma proporção em que os prefeitos foram diminuindo. A população que chegava aos 500 mil na década de 80, em trinta anos virou mais de um milhão de habitantes.
Se voltarmos mais uma década, irmos para a década de 70 a situação fica mais complicada pois teremos uma população de cerca de 250 mil habitantes para a que temos hoje. O crescimento populacional não foi seguido pelo crescimento económico, muito pelo contrário.
A cidade cresceu de forma desordenada principalmente por conta desta migração da população cuja maioria aqui aportou tangida pela falta de perspectivas do interior do estado, pessoas que aqui chegaram, em busca de trabalho, saúde e educação, direitos que lhes eram negados nos seus municípios, por conta de uma política (ou a falta de) de desenvolvimento, equivocada. Estas pessoas deixaram seu torrão para virem morar na periferia da cidade. Há um mundo de pessoas nestas condições, sem água, saneamento, sem nada.
Quando vemos senadores, deputados e até governador criticando a administração de São Luís, que possui falhas monumentais, é verdade, temos que ter a consciência da enorme parcela de responsabilidade que têm essas pessoas no caos que se formou. A situação vivenciada pela capital não começaram na atual gestão, ela vem sendo formada ao longo dos anos, das décadas. Não é apenas o inverno de um ano ou dois.
Trata-se de um inverno duradouro. A cidade alaga porque foi crescendo de forma desordenada, sem controle, sem planejamento. São dezenas de obras mal feitas ao longo dos anos, não apenas de responsabilidade do município, mas também do governo estadual. A mesma buraqueira que enfrentamos nas vias municipais sentimos também nas vias estaduais, inclusive nas que cortam a ilha, sem tirar nem por.
Mais os problemas vão além do desconforto causados pelos buracos. A educação da cidade é mesma a décadas, essa responsabilidade não é apenas do município, a rede estadual enfrenta a mesma situação.
Na saúde a situação não é diferente e conta com um agravante, lidam com vidas humanas. Aqui temos três sistemas que não se comunicam. Enquanto o governo do estado canta nos três turnos as maravilhas da saúde implantadas, suas unidades não recebem pacientes vindos do sistema municipal. E aqui, se faça justiça, a culpa é do município que nunca se impôs como gestor pleno do sistema. Mas esse é um assunto que trataremos no texto específico.
O saneamento básico, gerido desde sempre pelo estado não alcança 30% (trinta por cento), sendo otimista, da população. Como aceitar que se reclame da falta de “bocas de lobo” que deveriam ser colocadas pelo município e se ignorar que mais de setenta por cento da população não tem rede coletora de esgoto para recolher os dejetos, quando se sabe que o estado possui muito mais condições que o município e que recebe de todos os usuários para isso?
Como vemos, diante do passamos, embora pareça fácil criticar o prefeito, é necessário que se expanda o campo de visão para conseguir enxergar a origem dos problemas que afetam a cidade e que estão e foram se formando e ampliando desde bem antes do prefeito nascer e não no começo de sua gestão. Claro que isso não o isenta de suas responsabilidades, uma vez que se propôs a resolvê-los, mas que lhe seja cobrado, por uma questão de justiça, se sabendo de onde e quem tem parcela de responsabilidade por eles.
Não temos um inverno de apenas dois anos, como disse, no Maranhão, temos um inverno permanente que dura décadas. O inverno do abandono, da politicalha, da falta de preocupação com a população.
Abdon Marinho é advogado eleitoral